No sufoco, nas fraldas, na mística

Giuliano. Camisa 11, como Nilmar em 2008. No sufoco, como foi em 2008. Mais uma vez, nos pés de um guri, que parecia fazer as coisas de fraldas, quase chorando, caindo, pernas frágeis, nada a ver com o contexto de uma Copa Libertadores. Destino fatal que retira da Libertadores o Estudiantes, a Argentina, a mística de Verón, a grosseria de Desábato. Que noite de Copa foi essa, senhores!

Gargamel e os Smurfs

A derrota moral de Fossati era uma crônica anunciada. Durante toda a semana, ele falou no 3-6-1, treinou esse esquema, enfrentou todos aqueles que olhavam para o passado e previam a grande bobagem que estava fazendo. Fossati escalou o esquema que já havia sido derrotado por dois gols de diferença na Argentina, semanas atrás – não por acaso, aos 21 minutos, perdia de 2 a 0. O primeiro gol em um lançamento de Verón no qual nenhum dos três zagueiros sabia que deveria fazer a cobertura – e Nei, apavorado, chegou a olhar para González, mas hesitou um segundo e ele tomou a dianteira. Abbondanzieri saiu novamente apavorado, gol.

No segundo gol, um lance de extrema felicidade de Enzo Pérez, mas que traduziu um fato que estava acontecendo até então: os meias do Estudiantes tinham liberdade para dar mais que três toques na bola, os do Inter não. O Inter jogou um primeiro tempo de futebol mexicano, ou carioca: esperou os pinchas concluírem a jogada para marcar, ou se posicionar. Foi currado, e com razão.

Como Gargamel, Fossati parecia torturar os Smurfs da direção, da torcida e do próprio time até o momento da salvação do herói. Só fez alterações depois da metade do segundo tempo, a primeira delas muito mais sanguínea do que tática: retirou Nei, que parecia jogar uma partida de showbol, para colocar o melhor atacante em campo, Walter.

Pechos fríos, pechos calientes

Nei tinha uma atuação de pecho frio, como se fala por aquelas bandas. Não estava conectado na importância da partida. Debochava do fígado dos torcedores quando tentava em momentos cruciais um toque de calcanhar, um chapéu, um outro lance plástico que invariavelmente dava errado. Quando Cellay lhe deu dois carrinhos pela linha lateral, estava lhe mostrando que diabos de partida ele jogava.

Alecsandro, o único atacante, teve uma atuação de não-atacante. É certo que fez um gol que dizem ter sido mal anulado – achei o lance dificílimo, nem no replay consegui ter certeza – mas em nenhum momento ofereceu qualquer perigo à zaga pincharrata. Como prêmio, levou um soco de um dos argentinos no BANCO DE RESERVAS, mas era tarde demais para descobrir que partida estava jogando.

Por outro lado, Giuliano, o guri de fraldas, tocou novamente o horror na acomodada defesa do Estudiantes com corridas para todos os lados, que tinham o incrível poder de atrapalhar a todos. Andrezinho teve a frieza de nos últimos lances, dar duas bolas decisivas: uma para a defesa de Orión, outra para o gol do camisa 11. E Walter, o melhor atacante. Perdeu um gol na cara, mas só perdeu porque tentou. Tivesse tido oportunidade de tentar por 90 minutos…

A glória ou Devoto

A frase acima é provavelmente a frase-título do Estudiantes, assim como “Imortal Tricolor” para o Grêmio, “Clube do Povo” para o Inter, “Sem Libertadores” para o…ok, sem provocações. Quando perdia os mundiais na Bombonera, o mote dos jogadores do Estudiantes no fim dos anos 60 era bater nos adversários até parar na cadeia, na época, a cadeia de Devoto, em Buenos Aires.

Não por acaso, Leandro “preso por racismo” Desábato achou insuportável ver a comemoração colorada dentro de campo e foi lá tirar satisfações, dando uma cabeçada na nuca de Abbondanzieri. Pato foi sereno, sabendo que a porrada poderia lhe acarretar a saída da semifinal. Lauro, que não tinha nada a perder, deu um mata-cobra no homem que chamou Grafite de negro de merda. Lauro, como todos sabem, tem como comida preferida risoto de funghi. Desábato apanhou de um goleiro que adora comer risoto de funghi.

A pancadaria no final do jogo mostrou a todos que diabos de Copa estavam jogando.

O torcedor do Gimnasia

Santiago é tripero, daqueles fanáticos. Foi ao Maracanã para ver um jogo do seu time contra o Fluminense em uma Libertadores da qual não me recordo mais. Foi ver seu time contra o Santos em 2007, também. Além de tudo, é um tripero corajoso: conheci ele pela gana com a qual debatia em fóruns de futebol argentinos, enfrentando os torcedores pinchas, mesmo sem ter sido campeão de coisa alguma e levando um 7 a 0 nas costas para a história.

Santiago me perguntou, ontem, se Nilmar jogaria. Disse que estava vestindo duas amarelas, a da Seleção e do Villarreal. “Quem joga no seu lugar?” “Alecsandro”. Sua tristeza transpareceu.

Quando via os pinchas vibrarem no alambrado, cantando com algum enfado mais uma glória que estava por vir, pensava em Santiago. Liguei o computador para ver se o encontrava online, nada. Deveria estar debaixo de sua cama em La Plata, chorando mais uma insuportável vitória de seus rivais, a possibilidade da 11ª estrela de superioridade pairando na camisa alvirrubra.

Quando acabou o jogo e Porto Alegre incendiou em buzinas e foguetes, lembrei de Santiago. E sabia que aquele gol, que descontou a derrota mas virou vitória, era mais do que para todos os vermelhos, era para a maldita e desgraçada chama de secador que sim, é tão ou mais forte que a do torcedor, quando este está inferiorizado.

O Gimnasia jogou ontem a primeira partida da Promoción, para ver se fica ou não na primeira divisão argentina. Perdeu do Atlético Rafaela por 1-0 – no ano passado, fez uma virada histórica contra o mesmo Atlético Rafaela, vencendo por 3 depois de perder por 3 fora de casa. No final da noite, San apareceu no MSN gritando de forma enlouquecida. “SON GALLINAS! SON GALLINAS!”, e dizia estar chorando em frente ao computador. Que se dane a Promoción. Que se dane tudo.

Que noite de Copa foi essa, senhores!

Até a vitória,
Luís Felipe dos Santos