Mulheres, idosos e crianças primeiro

Não é de agora que o transatlântico rubro-negro começou a soçobrar. Os bons torcedores do Flamengo já devem ter começado a ver que um clube que inicia o ano onde defenderá um título nacional tratando dois baluartes da conquista feito dois terceirizados que estavam a furtar cinzeiros da sede social começava mal.

Pois foi exatamente isso que o tal de Marcos Braz, o homem responsável pela gestão do futebol urubu, resolveu fazer. Quase dispensou Ronaldo Angelim e Andrade, ídolos, campeões, por coisas de dinheiro. Pagar uma fábula pra ter Dênis Marques e Gil no elenco tudo bem, mas dar respaldo a quem efetivamente enche de alegria a torcida nos estádios e nos bares com pay-per-view, bem, aí não, aí entra a matemática financeira e um mimimi.

Logo chegou então a hora do time jogar Cariocão e Libertadores, mostrar a que veio, mostrar um Adriano focado na Copa, mostrar um Vágner Love que não cansa de correr porque além de profissional defende as cores da infância, mostrar a cátedra de Pet, mito em vida. Certo? Errado.

Adriano, parece, resolveu adotar um coquetel que envolve (muita) cerveja, farras de varar a noite e dor-de-corno (logo quem). Por mais que o cidadão seja um tanque (“Cara, o Adriano em campo parece um adulto entre crianças”, me confidenciou um companheiro que presenciou o fato in loco), correr 180 minutos por semana exige um certo preparo e um certo repouso. Adriano não repousa, até onde sabemos, portanto, joga cansado. O jogador decisivo e fatal de 2009 cedeu lugar a uma massa corporal impressionante e previsível.

Petkovic, por sua vez, não aceitou ser substituído em um Flaflu que iniciara titular após o término da primeira etapa. Deu um piti e o infame Marcos Braz tentou se aproveitar do episódio para afastá-lo do time. Pet não foi cortado, mas seu relacionamento com o clube azedou e praticamente só tem diálogo com Andrade, que sempre bancou seu futebol – e não deve ser à toa.

Somado a esses bastidores nada tranquilos, em campo a coisa também não andava nada bem. Lembram aquele meio de campo que fustigava, pressionava, roubava as bolas e tornava melhor a labuta de Bruno e sua zaga? Deixou saudades. A saída de Aírton do time parece que deixou um rombo maior na composição do elenco do que em nossos corações.

Mais expostos, Angelim, Álvaro e Bruno atravessaram momentos difíceis na temporada. O bravo Ronaldo recuperou sua titularidade, mas Álvaro virou banco e lá parece que vai permanecer. Bruno desandou a falar bobagens em público, sair mal do gol sempre que possível e tomar alguns perus por excentricidade, imagino.

Em suma, aquela máquina azeitada que faturou o Brasileirão tripudiando de seus adversários no segundo semestre de 2009 não existe mais. O time que foi pra Libertadores não é sombra do que se esperava e trocou os pés pelas mãos, estando agora na dependência da álgebra linear e do acaso.

Parece ruim o bastante? Calma que vai piorar mais um pouquinho. Após a vitória decepcionante sobre o Caracas por 3×2 na rodada derradeira da fase de grupos, novamente a diretoria resolveu mandar às favas o bom senso e anunciou que Andrade está demitido, ainda que tenha ganho o brasileiro e que não seja o responsável por deixar quieto o fato de que seus atletas mais bem remunerados varem a noite biritando, fornicando, brilhando muito ou espancando mulheres.

Para o seu lugar, parece, Marcos Braz quer – vejam só que engraçado – Celso Juarez Roth, aquele que treinou um dos times que o Fla de Andrade, Adriano e Pet atropelou na sua arrancada para o título. Paralelo a isso, surgiu também um boato de que o próprio Marcos Braz seria demitido do Flamengo. Salve-se quem puder.

Francamente, pouco importa se o Fla obter a graça de uma vaguinha nas oitavas nesse estado de coisas. O time se complicou porque anda jogando mal e parece que anda jogando mal porque os jogadores estão sendo mal administrados. O fuzuê da Gávea pode ter liquidado mais uma chance do Flamengo igualar em campo a sua grandeza simbólica. Jogadores e diretores caíram no conto do vigário cantado pela mídia (que quer vender espaços para anunciantes) e adotado pela torcida (que quer ser feliz) do tal Império do Amor, uma espécie de filosofia pagode-funkeira que envolve conquistas sexuais e goleadas fáceis.

Desgovernado, o transatlântico do Amor parece que errou uma manobra e acertou um iceberg – ou talvez uma imensa garrafa de Smirnoff Ice. O casco já começa a fazer água, os ratos já mergulham ao mar. Que ao menos evitem o pânico e providenciem coletes salva-vidas para as crianças, os idosos e as mulheres se salvem da desgraça iminente.

Leandro Godinho.