Cuca, tua hora chegou

Meu querido pai antes de se formar médico, era ponta-esquerda do Bonsucesso, salvo engano. Nos últimos tempos, quando calha de estarmos diante de um jogo de futebol (ele mora no Rio, eu em Porto Alegre), ele adquiriu um hábito de me narrar um causo que leu decerto numa dessas colunas esportivas da vida: eram os anos 40 (ou 30) e dois times se bateram, resultando o placar de 1×0. Foram lá entrevistar o técnico vencedor ao final do jogo, que declarou para delírio de meu pai ainda hoje: “Mandei meus jogadores chutarem a bola pra dentro da área, afinal, futebol é cagada, basta chutar pra dentro da área que acaba fazendo um gol”. Finalizo aqui este prólogo já me desculpando pela total falta de referências a respeito do causo.

Cuca, o Flamengo e o Botafogo jogarão domingo sua terceira decisão seguida do ARRASTÃO 2009. O trio tem protagonizado as mais aguerridas disputas do estadual da Guanabara desde 2007, com ampla vantagem flamenga – 2 títulos estaduais, 1 Taça Guanabara (2008), 1 Taça Rio (2009). Foi após a derrota na Taça Guanabara de 2008 que o ex-presidente alvinegro Bebeto de Freitas apareceu para a coletiva de imprensa junto de quase todo o elenco do Botafogo, incluindo aí o então treinador Cuca, em lágrimas, dizendo que o mundo conspirava contra seu time e o resto já é lenda. Tal episódio somado à trágica eliminação botafoguense na Sula Miranda 2007 diante do River culminaram por marcar a imagem de Alex Stival enquanto um treinador fadado às derrotas em decisões.

O destino, este bêbado sem a menor noção, colocou o mesmo Cuca para comandar o esquadrão urubu em 2009 e mais uma vez, ambos os times pra decidir o estadual. Se o Botafogo perder para o Fla mais este Carioca, é certo que será motivo para algazarras, flautas, gozações, musiquinhas, e-mails, vídeos no YouTube, término de namoros, porres homéricos e afins, mas o botafoguense, lá no seu íntimo consciente da sina de um time que atravessou 21 anos completos na seca, sabe que mais dia, menos dia, o Botafogo acabará por vingar-se do Flamengo. Para o Flamengo, perder o próximo jogo significa abrir mão de um quinto tricampeonato carioca (vale lembrar ou ensinar, em seus anos de glória o Flamengo estampava ao lado de seu escudo 3 estrelas, referentes aos tricampeonatos cariocas de 42-43-44, 52-53-54 e 78-79-79, o tal SUPERCAMPEONATO) e ter de ouvir a torcida rival pelo resto do ano.

Cuca, ao contrário de Flamengo e Botafogo, não pode se dar ao luxo de perder três decisões seguidas do mesmo campeonato. Ele é apenas um homem e sua medida de tempo não é a medida de tempo que se aplica a times de futebol, especialmente porque o fato que se colocará na boca do povo é a sua competência profissional. Se o Flamengo de Cuca entregar essa rapadura, mais do que o título, botafoguenses irão celebrar a tripla derrota de seu outrora técnico, figura-chave das derrotas anteriores do próprio Botafogo!

Cuca vai ter que passar a semana rezando (duvido que haja outra alternativa) para que Josiel, Obina ou Emerson se encham de luz, de amor e de futebol para que seu ataque deixe de depender cronicamente da zaga alvinegra (alô, Emerson, aquele abraço!) na hora de anotar tentos, vai ter que conversar com o marrentinho Juan sobre espírito esportivo, vai ter que administrar a ansiedade do xerife Fábio Luciano que deve fazer seu au revoir após o apito final, vai ter que conviver com o corte de cabelo pós-moderno de Kleberson, mas, sobretudo, vai ter que conviver consigo mesmo. Terá de dormir, comer, passear com a patroa, administrar a filhota e tal, consciente de que no domingão, mais do que qualquer outra, a sua batata estará temperadinha para assar. Poderá deixar o Estádio Mário Filho pela porta da frente com a glória de inscrever – ironicamente – seu nome em um tricampeonato flamengo conquistado sobre o Botafogo ou pela porta dos fundos, tal e qual um Celso Roth, um técnico indesejado, um Rocky Balboa às avessas.

Pois é, Cuca, tua hora chegou.

Leandro Godinho