Oito lições de vilania

Que eu vou envelhecer é um fato. Talvez então eu perca um pouco do prazer de viver, não tenha mais tanta disposição para noitadas e aventuras. Perderei a flexibilidade e o reflexo, deixarei de lado atividades que antes eram tão prazerosas. Certamente me tolherão a satisfação de degustar uma costela gorda, sorver um trago e pitar um cigarrito.

Talvez me torne um pouco mais cínico, já que Deus eu nunca tive. Acreditarei ainda menos em política e desconfiarei cada vez mais de quem prega ideologias. Olharei para as crianças e sentirei na mesma medida admiração e piedade. Tudo isto é bastante provável. Talvez me torne mesmo um ermitão. Plante aipim e crie galinhas. Perderei muito do que conquistei, deixarei de lamentar o que não consegui.

Mas uma coisa é certa. Nunca permitirei que me arranquem da memória o dia em que vi o Inter apresentar tamanha disposição para humilhar um adversário de forma tão cruel e sem-vergonha como fez neste domingo, contra o Juventude.

Porque todas as ações que os colorados desempenharam visavam apenas a humilhação irrestrita do Juventude. Tinham como objetivo principal colocar o time serrano no seu lugar – que é um lugar admirável no futebol brasileiro, mas bastante distante daquele ocupado pelo time da beira do rio (que é lago). A começar pelo pré-jogo, quando poucos ingressos foram destinados aos esmeraldinos e os reclames dos dirigentes juventudistas foram solenemente ignorados. Durante toda a semana, em nenhum momento o Inter delegou importância de clássico ao jogo, o contrário do que há tempos vinha fazendo.

Após os primeiros minutos de dificuldades, o gol de Danny Morais foi o fator desestabilizador para a equipe de Zetti, que se desmantelou de forma constrangedora. O Inter aproveitou-se disso sem cerimônia, não permitindo que qualquer grilhão moral impedisse o massacre. Fernandão – sobre o qual não falo mais nada – provou que a humilhação deveria ser pública. Marcou um gol e correu para um setor do estádio. Anotou outro e foi na direção oposta. Juro que quase ouvi ele esbravejando: “não só matamos mulheres e crianças como já matamos quase tudo que anda ou rasteja*”. Porque o Inter se portou como um assaltante desprezível que mata a vítima e depois confere os bolsos em busca de uns derradeiros trocados.

Qualquer time do mundo se daria por satisfeito com um 4 a 0 favorável. Mas no segundo tempo a vilania continuou, com Nilmar e Fernandão arrastando pelo campo um Juventude já desmaiado. E achei de uma ironia impagável a torcida se calar quando o time da Serra marcou seu gol e levou algum perigo, como se temesse que a desgraça tivesse encontrado uma brecha para infiltrar-se. Colorado olha a felicidade de soslaio.

No apagar das luzes, o supremo desprezo. Clemer pede para bater o pênalti, coloca a bola mansa no meio do gol e corre para a torcida. Gol de goleiro. Não por necessidade e desespero, mas sim por galhofa, capricho.

8 a 1.

E uma aula de crueldade riscada com parcimônia na paleta do Juventude.

* adaptação livre da frase de William Munny, personagem de Clint Eastwood em Os Imperdoáveis.

Saudações e parabéns aos colorados,
Douglas Ceconello.