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Para atiçar o fogo sob a caldeira do diabo
Vídeo gravado pela reportagem do Impedimento há uma semana, num Centenario que esperava Peñarol e Vélez, justifica em sete minutos este parágrafo:
“Quem, por algum motivo estranho, aguentasse todas as filas para a complicada conquista do ingresso, e logo após o início da partida se retirasse de imediato do Estádio Centenário, não merece um julgamento cruel. E tampouco ser tido como infeliz, embora tenhamos visto no primeiro tempo uma infinidade de lances emocionantes e possibilidades de gol. A recepção da torcida do Peñarol foi maior do que todo o resto e pôde causar sentimentos complexos – em cinco minutos, o Centenário foi tomado pela bruma dos sinalizadores, manchou-se de fumaça branca e acabou com a imparcialidade na tribuna de imprensa. Era o momento mais lindo que todos ali já puderam ver no futebol.”
A três horas da volta,
ImpedCorp.
Darío, el rompe-gargantas
“Aquí, el hincha agita el pañuelo, traga saliva, glup, traga veneno, se come la gorra, susurra plegarias y maldiciones y de pronto se rompe la garganta en una ovación.” Eduardo Galeano, “El hincha”. (mais…)
Mareados pelo sacolejo do Prata
Foram mais de mil, os argentinos que investiram em lugares nos imponentes barcos da Buquebus para atravessar o Rio da Prata. Ainda houve os que se utilizaram da ponte aérea do sul e os que, por contar menos pesos nos bolsos, chegaram a Montevideo por terra. Mas o maior aglomerado dos fortineros veio pelo “Mar Dulce”, definição dada pelo navegador espanhol Juan Díaz de Solís, que passou por essas águas n’outras épocas. O perigo de conflitos com a polícia, contra certos aurinegros mais exaltados ou entre os próprios torcedores do Vélez foi dissipado na chegada: caminhavam devagar pela doca montevideana, como que enjoados pela travessia da fronteira natural entre porteños e orientales. (mais…)
Mas nós não somos cavalos
Na semana passada, talvez após uma noite mal dormida, Francisco Novelletto tomou uma decisão unilateral e resolveu provocar um licenciamento compulsório de oito equipes do Estado. Na edição 2011 da Copa Federação Gaúcha de Futebol, no segundo semestre, os rebaixados à Terceira Divisão não poderiam se inscrever. Aimoré de São Leopoldo, Atlético Carazinho, Bagé, Garibaldi, Gaúcho de Passo Fundo, Guarany de Bagé, Milan de Júlio de Castilhos e Três Passos perderam, num par de frases inesperadas, o direito de decidir seus destinos. Uma ordem vinda de cima para baixo, sem consulta aos clubes. Como numa ditadura alienante. (mais…)
Uma Copa e uma lenda
Essa noite que terminou com o “Lolo” Estoyanoff jogado na lateral do campo, às lágrimas, festejando um gol improvável e sofrendo um furioso ataque de bobinas em San Carlos de Apoquindo; essa noite em que os seiscentos uruguaios presentes no pé da cordilheira viram gols perdidos aos montes pelo Peñarol, grandes defesas de um goleiro frangueiro e a assustadora proximidade da decisão por pênaltis; essa noite em que, outra vez no Chile, mesmo que em outro estádio, porque agora já não era mais o imponente Estádio Nacional, o carbonero logrou um triunfo copero nos minutos finais, como em 82, ano daquele gol de Fernando Morena, e em 87, ocasião do júbilo de Diego Aguirre; essa noite de ayer, quando o Peñarol foi grande como tão poucos sabem ser, essa noite é para sempre. (mais…)
Casa estranha, a duas mil léguas da minha (Parte II)
“J’aime la France parce que j’aime Brigitte Bardot”. Luciano pronuncia a frase com capricho. É o cantinho que lhe restou do francês estudado meio século atrás. Luciano amou a França porque amou Brigitte Bardot. Para entender a musa das salas de cinema do seu tempo, dedicou os quatro anos do Ginásio àquele idioma povoado de estreitezas diferentes dos outros ramos latinos. Deixou a escola em 1959, mas nunca teve chance de ir à Europa. Sem que percebesse, o esquecimento encheu de vazios o seu vocabulário. Aos sessenta e nove anos, aproveitou a viagem do time de sua cidade para disputar um Mundial Sub-15 e subiu no avião como integrante mais velho da delegação. Brinca com a utopia de jantar em Paris com sua Brigitte querida, mas, à noite, no isolamento do hotel suburbano em Nantes, contenta-se com biscoitos. E café, que pede em português alto, pausado e apoiado na mímica. “Co-po de ca-fé”. “CO-PO-DE-CA-FÉ”. (mais…)
Casa estranha, a duas mil léguas da minha (Parte I)
“Na noite de véspera de sua partida, ele ficou na cama e sentiu aquele estranho sentimento confuso que os rapazes têm quando estão prestes a partir de casa pela primeira vez, aquele medo sonolento de deixar a cama, o quarto, a casa que sempre foi a primeira base confortável da vida antes de qualquer outra coisa, a casa que é tão familiar e simples quanto um suéter velho, para a qual sempre se retorna depois de excitações e exaustões para dormir tranquilamente: e ao mesmo tempo ele sentia aquele ânimo estonteante para sair de casa – ir para estações de trem, balcões de cafeterias, cidades novas, fumaça e agitação e cheiros de vento novos e estranhos, para vistas inimagináveis repentinas de rio, estrada, ponte e horizonte, tudo sensacionalmente estranho sob céus desconhecidos”. (Jack Kerouac – Cidade pequena, cidade grande) (mais…)
Todos sabíamos e todos choraremos
Que o jogo de hoje duraria ao menos quatro horas, se sabia. Antes de Grêmio e Universidad Católica havia todo um prólogo – era a partida do Internacional contra o Peñarol que definiria o sentimento definitivo do início do duelo no Chile. E não faltaram motivos alheios para empolgar o Grêmio, mesmo na noite fria e naquele estádio acanhado no pé da cordilheira. Os mil uruguaios que acompanharam o Peñarol, minutos antes, deixavam o Beira-Rio para incendiar toda Porto Alegre com a finalidade única de louvar Alejandro Martinuccio. Mas era preciso mais para o Grêmio de hoje. Até porque o que se viu em San Carlos de Apoquindo foi a consequência dos primeiros meses de 2011 – titulares ausentes, um placar para reverter e reservas atordoados pela fogueira que é ter de salvar o time num jogo de volta das oitavas de final. (mais…)
Voltar ao santo Gasómetro
Por catorze anos, de 1979 a 1993, os torcedores do San Lorenzo vagaram sem rumo pelas canchas de Buenos Aires. Durante mais de uma década, o clube foi visitante em todas as partidas que disputou. Mandava os seus jogos no Palacio Ducó, no José Amalfitani, no estádio do Atlanta, em Villa Crespo, e no Monumental de Núñez, em tardes de grande assistência. Mudava o bairro, a arquibancada e a casa – uma geração inteira de peregrinos seguiu o San Lorenzo por todos esses anos sem ter um estádio para dizer seu, sem um palco para guardar os trapos e pintar as tribunas de azul e grená. Tudo porque a pressão da ditadura militar, que encontrou eco na diretoria do clube, forçou a venda do Viejo Gasómetro no final dos anos 70. Foi quando o Ciclón deixou Boedo para não voltar mais. (mais…)
A geometria do Centenário
Contam os antigos que nos primeiros anos do Estádio Centenário era grande o contingente dos que buscavam, logo ao passar pelos portões, os lugares mais distantes do campo. Subiam as largas escadas das tribunas América, Olímpica, Colombes e Amsterdan e se estabeleciam onde o Estádio se fazia mais alto. Alheios ao vento frio que sempre soprou forte em Montevideo, tinham uma visão aérea de fazer inveja aos treinadores mais táticos. O objetivo maior era entender a geometria dos grandes jogadores: os passes que preenchiam o meio-campo, a trajetória perfeita dos lançamentos e os gols que surgiam de um planejamento como que matemático. Passaram-se as décadas e, agora, ver o jogo de cima talvez assuste um pouco – mas o passado sempre se anuncia, ao menos no Centenário. (mais…)
Benditos los sorteos y los grupos de la muerte
Em Montevideo, os torcedores do Peñarol levaram ao Estádio Centenário uma bandeira de mais de trezentos metros de comprimento e quarenta e cinco de altura. Segundos os próprios, a maior do mundo. Custou vinte e cinco mil dólares e serviu para abrir a festa contra o Independiente – classificado, o aurinegro entrou na partida para definir a sua colocação na tabela. Visto de cima, o Centenário lotado por cinquenta mil pessoas e decorado pelo bandeirão foi o mais belo cartão postal do Grupo 8 da Copa Libertadores. Dele, avançaram a Liga de Quito e o próprio Peñarol. O Independiente passou longe dos improváveis oito gols que necessitava – fez apenas 1-0 – e o Godoy Cruz não saiu vivo dos domínios da LDU. (mais…)
Nossos sonhos já foram maiores
Hoje os sonhos em Avellaneda são como aqueles em que, quando acordamos, percebemos que o ponteiro do relógio nem se moveu. Aparecem, duram apenas o instante inevitável e evaporam – impossível até de se sentir saudade. Ao menos têm sido assim para o Independiente nos últimos longos anos. Quem tem uma história de taças continentais, jogadores de seleção e a supremacia na cidade, hoje não consegue repetir os feitos do passado nem de forma onírica. As grandes vitórias acabam no dia seguinte, o valor do título se esvai na próxima empreitada e o desafio copero termina ainda na primeira fase. (mais…)
Propongo que tú y yo nos vayamos conociendo
É difícil de explicar. Porque sempre tivemos os problemas com a identidade, com a personalidade de um time que tem o nome de outro. Torcemos por um Inter-SM que tem as mesmas cores e um escudo que é ao menos similar ao da Capital – e ainda assim colorados, gremistas, independentes, indecisos e os que são apenas do clube da cidade frequentamos a Baixada Melancólica há muito tempo. A verdade é que não é uma questão bem resolvida: a maior prova é a tentativa moderna de buscar subterfúgios para a situação. Por poucos meses, trocamos de nome para “Santa Maria”; recentemente, o azul entrou na camiseta, ao lado do vermelho e branco de sempre, para fisgar maior apoio dos gremistas. Mas a personalidade chega, e a identidade também – nós a criamos com as condições que enxergamos. (mais…)
Uma história de outros tempos
Há treze anos distante, decidiu voltar. Foram dez temporadas no Boca, uma década para dezesseis títulos e o posto de jogador que mais vestiu a camiseta xeneize na história da Copa Libertadores. Tempos de estádio cheio, de superclássicos, de gritar os seus gols para a maior torcida do país e de garantir para sempre a ligação com o clube. Houve também três invernos longe de casa, nos Estados Unidos, onde vestiu a jaqueta do Columbus Crew, de Ohio. Mas antes dos grandes jogos, das taças e do dinheiro, havia um passado. Um ayer que ainda joga futebol e que está para ser rebaixado na Argentina. E por isso Guillermo Barros Schelotto voltou ao Gimnasia de La Plata. (mais…)
Y dale alegría a mi corazón…
Ausente do mata-mata da Libertadores desde 2002, o Peñarol viu pela televisão os muitos acontecimentos que, de certa forma, transformaram a cara da maior taça da América. Nas oito temporadas em que o aurinegro não se fez presente, uma estranha equipe colombiana ergueu o trofeu, o Boca Juniors protagonizou uma escalada cujo inevitável fim seria um tombo, o Inter tomou gosto pela coisa e um time do Equador pela primeira vez sagrou-se campeão do torneio – a LDU, que a partir de 2003 se consolidou como a grande força do país e agora pode mostrar um presente copero que dá inveja ao Peñarol. Se historicamente os uruguaios são gigantes, hoje a Liga de Quito assusta bem mais no continente. (mais…)