O concerto dos canhotos

Talvez seja a combinação de sinapses aceleradas, hormônios incendiados e iogurte de cevada em doses industriais. Agravada, provavelmente, pela expectativa opressiva de encontrar às vezes mais de uma centena de pessoas que fazem parte do teu horizonte diário, mas que às vezes o contato acontece através daquela sagrada caixinha de texto abaixo de cada post. Some a isso um pouco da angústia inata presente em todos os vadios tortos que vagam pelo mundo e o que temos, nos dias que precede a ImpedCopa, é uma explosiva combinação chacoalhada na coqueteleira de Dionísio, pronta pra explodir quando arremessada na atmosfera multicolor que cobre Porto Alegre a cada semestre.

No entardecer de 4 de dezembro de 2009, uma sexta-feira, véspera da primeira edição, cheguei em casa com os braços TESOS pelo peso de farinha, salsichão, sal grosso e outras ESPECIARIAS vinculadas ao ancestral ritual de assamento irreversível de carnes diversas. Nem percebi que a porta estava destrancada. Ao ver uma bagunça inicial, suspeitei que havia baixado o espírito asséptico y faxinador na Sra. Ceconello. Dois passos e vi roupas jogadas para todos os lados. Me vi divorciado e fiquei cavocando pontos passíveis de culpa, até perceber que, bem, ela não teria levado o COMPUTADOR para a casa da minha sogra. Com um súbito calafrio, corri para ver LA COPA e as medalhas. Estavam intactas. Bendito ladrão burro e previsível.

O assalto importava tão pouco quanto o calor ABISSÍNIO que fazia no sábado de esplendor. Mais de 30 graus sobre a cancha descoberta e uma grama de plástico que parecia encobrir GÊISERES do mijo de Hades aguardavam-nos, todos iniciantes na arte do devaneio que ainda não era tradição. Também não me parecia suficiente para que abandonasse a cancha aquela dor excruciante no o GARRÃO esquerdo, que depois seria apontada por um médico sem graça como FISSURA NO OSSO. No mês seguinte, muitos acreditavam que eu estava MANQUITOLANDO, quando na verdade pisava sobre nuvens de espuma e gordura de costela. O bife arrancado do lado de fora da coxa em um carrinho elementar descansa ao lado de alguma grande área desbotada e nunca esquecida.

Após pagar as CATORZE cervejas que estavam na comanda, consegui auxílio com um muy sensato motorista, e o epílogo precisou ser escrito pela caneta de algum garçom num bar perdido numa madrugada que já representava um futuro bastante indesejável, com seis meses de LATÊNCIA pela frente. Não há nada mais espalhafatoso do que um desembarcar de bêbados. E não há nada mais inoportuno que um sisudo policial varrendo a felicidade para baixo da sarjeta. A quase prisão causada por um simples e inadaptado “Vai cuidar da rua, vai” foi a nota de tensão que encerrou o ascendente concerto número 5 para piano que abrira com o dedilhado do ladrão e crescera com o coro dos ébrios e os trompetes em forma de garrafa ao longo de um dia afônico.

No último dia 15 de novembro eu proclamei a república do esquecimento. Uma sacola cheia de camisas e apetrechos me fez retornar ao Sul Sete no dia seguinte à terceira edição da ImpedCopa. As torneiras e a churrasqueira pareciam ainda RONRONAR de êxtase pelo protagonismo da véspera. O palco rasteiro usado pela banda com todos os sotaques do continente ainda estava lá, cercado pela dissonância e pela fumaça do cigarro. Evitei olhar para a cancha porque alcancei um súbito entendimento de Abdón Porte. Arranquei a sacola da cadeira, virei as costas e saí pisando rumo ao cascalho.

Saudações,
Douglas Ceconello.