Darío, el rompe-gargantas
27/05/2011 at 14:08 iurimuller 29 comentários
“Aquí, el hincha agita el pañuelo, traga saliva, glup, traga veneno, se come la gorra, susurra plegarias y maldiciones y de pronto se rompe la garganta en una ovación.” Eduardo Galeano, “El hincha”.
Na noite de quarta-feira, o presidente da República Oriental del Uruguay, José Mujica, acompanhado do fiel escudeiro e Ministro do Interior, Eduardo Bononi, se dirigiu ao centro de treinamentos do Peñarol em Los Aromos, departamento de Canelones. Deixou a sua modesta residência no Rincón del Cerro, por onde vaga em cima de seu trator e planta flores em tempos menos complicados para a Frente Ampla na política nacional, para saborear uma milanesa de pescado na concentração aurinegra – como se fosse tão somente um torcedor ilustre, e não o homem mais importante da Banda Oriental.
Ao lado de Mujica, o zagueiro e capitão Darío Rodríguez, dizem, serviu-se três vezes do prato principal e conversou francamente com o mandatário. Contou as histórias mais comentadas da Libertadores e que envolviam o seu nome. Da pancadaria no vestiário do Independiente, depois da goleada sofrida pelo aurinegro em Avellaneda, Darío omitiu detalhes para não constranger o presidente. O importante na última janta que antecedia a maior quinta-feira moderna do Peñarol era garantir para o presidente que o Campeón del Siglo poderia vencer qualquer um no continente – porque disso a sua torcida sabia desde que Alejandro Martinuccio desatou a loucura no Beira-Rio.
Não foi a primeira vez em que inclusive a política virou-se para a causa copera do Peñarol. E nem a mais impressionante. Das quartas-de-final, fica o detalhe do intervalo feito pelos deputados uruguaios na votação que definiria a continuidade da Ley da Caducidad, em uma das sessões mais decisivas para o país desde a redemocratização. A Frente Ampla e a oposição se alternavam nos discursos quando, de súbito, todos se recolheram nos gabinetes: começaria a volta de Universidad Católica e Peñarol e não havia compromisso capaz de impedir a concentração no confronto. Na Libertadores o Peñarol avançou, mas na votação houve empate – que impediu a anulação da lei.
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Pouco mais de um dia inteiro depois do jantar do plantel com Mujica, entrados já alguns minutos na sexta-feira, mesas mais humildes acolhiam torcedores anônimos que, diante de um chivito ou uma pizza de anchovas, reviviam pela tevê as últimas horas. Ainda entorpecida pela vitória recém-conquistada, a torcedora fardada de amarelo e negro da manta do pescoço às meias nos pés ritmava a mastigação com olhares cada vez mais frequentes para a sequência de lances reprisados pelo principal canal do país. Quando se diz que um jogo é para sempre, se quer explicar como ele pode trazer a mesma emoção sentida no momento em que ocorria, cada vez que se tenta recordá-lo.
Na pantalla, outra vez Luis Aguiar batia o escanteio em frente à tribuna Colombes. Outra vez Darío Rodríguez aparecia desmarcado para cabecear e fazer o 1 a 0 do Peñarol no Vélez. À mesa, outra vez a torcedora vibrava, parecendo jamais ter visto aquele gol antes. O Centro de Montevideo do início da madrugada foi território de festejos embriagados no meio das ruas e de alegrias solitárias dos que se agarraram à caneca de chopp para digerir tudo o se viveu, sentiu e torceu enquanto Peñarol e Vélez duelavam no Centenário. Mesmo em um dia de semana de um maio invernal.
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O táxi era amarelo e negro, mas não por opção clubística – todos levam essas cores em Montevideo. Na tarde anterior ao encontro, antes que os argentinos desembarcassem no porto, Juan Pablo Rodríguez diminuía o mérito do rival enquanto manejava o carro pela Avenida 18 de Julio: “mesmo que avancem de novo e mesmo se levarem a taça, foram goleados duas vezes. Levaram cinco a zero no Equador e três na Argentina. Mancharam a campanha, como de costume. Vocês vão ver, o Peñarol tem uma torcida violenta e não encantadora, como se diz.”
Juan Pablo seguia em direção a AUF e não se esforçava para disfarçar o gosto amargo que a trajetória do Peñarol causou nos rivais: “é só balão para a frente, até que sobra uma bola para os ponteiros cruzarem para o Olivera. O jogo bom é no sábado, quando o Nacional pega o Defensor no Parque Central. E empatando somos campeões.” Mas ninguém fala do Clausura uruguaio por esses dias, e nem o próprio taxista deve pensar de fato a respeito – tanto que encerrou a conversa indagando sobre possíveis variações na escalação do Peñarol e os desfalques do Vélez Sarsfield. “A bem da verdade, vai ser um grande jogo”.
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Perguntado alguma vez sobre qual teria sido a conquista mais significativa de sua carreira como director técnico, Carlos Bianchi não listou as três Copas vencidas pelo Boca Juniors em quatro anos, ou os dois Mundiais ganhos na passagem pelos Xeneizes. Sua grande conquista, disso não tinha dúvidas, fora levar o Vélez Sarsfield aos maiores títulos possíveis. “Um clube que não tem mais que duzentos mil torcedores”, declarou na época. Dos duzentos mil, cerca de quatro milhares estiveram em Montevideo ontem. Vindos de diferentes maneiras, convergentes para o canto esquerdo da tribuna América do Estadio Centenario.
Quiçá sejam os quatro mil que mais cantam, esses que viajam. A torcida fortinera não é conhecida por grandes exaltações. Ao contrário – é capaz de ser mais silenciosa que oitenta santafesinos, mesmo em Liniers, com o Vélez fazendo seis a zero no Colón e caminhando para o título. No Centenario, portaram-se com mais entusiasmo. Ovacionaram o time na saída de campo, acreditando na possibilidade de reversão do resultado, na volta – ainda que, durante os noventa minutos de partida e mais os outros noventa em que aguardaram o apito inicial já dentro do estádio, tenham cansado os ouvidos uruguaios com o limitado repertório de um par de canções.
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Quem, por algum motivo estranho, aguentasse todas as filas para a complicada conquista do ingresso, e logo após o início da partida se retirasse de imediato do Estádio Centenário, não merece um julgamento cruel. E tampouco ser tido como infeliz, embora tenhamos visto no primeiro tempo uma infinidade de lances emocionantes e possibilidades de gol. A recepção da torcida do Peñarol foi maior do que todo o resto e pôde causar sentimentos complexos – em cinco minutos, o Centenário foi tomado pela bruma dos sinalizadores, manchou-se de fumaça branca e acabou com a imparcialidade na tribuna de imprensa. Era o momento mais lindo que todos ali já puderam ver no futebol.
O setor destinado aos jornalistas havia sido transformado em uma extensão dos degraus ocupados por torcedores a poucos minutos do início da semifinal. Mais do que a emoção que atingiu mesmo os que deveriam ter permanecido neutros, aquela parte da cancha estava ocupada também por torcedores comuns cuja maior semelhança com os comentaristas esportivos é falar coisas nem sempre muito bem pensadas a respeito do futebol – mas diante de uma Patricia numa mesa de bar, e não na televisão. Como faltaram lugares, é possível que os bilhetes nos quais se lia “prensa” também tenham sido distribuídos a quem só queria alentar o aurinegro. Ao fim da partida, com a tribuna esvaziando, um correspondente argentino comentaria: “por fin encontré un periodista acá”.
Famosa pela maior bandeira do mundo, que repercutiu internacionalmente depois de esparramada na última partida da fase de grupos, a torcida do Peñarol nem precisou do seu gigantesco trapo para brindar o seu time com o mejor recibimiento de la história – até porque incendiaria totalmente o bandeirão com os seus fogos. Quando invadiram o gramado, os onze titulares do Peñarol talvez tenham ficado desnorteados. A fumaça impedia a diferenciação das tribunas que viviam uma festa de muitos focos – espalhados estrategicamente entre os sessenta e tantos mil presentes, os sinalizadores fizeram do Centenario uma galáxia branca cujas estrelas brilhavam nas mãos dos carboneros iluminados.
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O Centenario veio abaixo quando Martinuccio desviou uma pelota que só teria como possível destino o gol, calou-se quando Emiliano Papa perdeu uma chance embaixo das traves do goleiro Sosa e manteve-se fiel a Diego Aguirre e seus comandados ao longo da partida – mesmo nas vezes em que o lateral direito Alejandro González foi driblado e redriblado e entortado uma vez mais pelo “Burrito” Martínez. Com investidas alternadas, Peñarol e Vélez foram ao ataque no primeiro tempo. Os argentinos com o pé melhor calibrado, os uruguaios com a perna mais firme. Aos quarenta e cinco da etapa inicial, com sussurros de “prepará tu grito para ahora”, Darío Rodríguez decidiu que seria aquele o momento de estourar as gargantas em Montevideo.
O resto da história se joga em Liniers,
Iuri Müller e Maurício Brum
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1. Juan Carlos "Chango" Cardenas | 27/05/2011 às 14:25
O centenário lotado deve ser algo fantastico.
A minha experiencia no estadio se resume a Grêmio x Liverpool, com a tribuna ao lado direito das cabines de tv fechada, mirando o jogo atras da goleira na qual alguns dos mais importantes golazos da historia futebolistica ocorreram (como tiro de zurda de Chango Cardenas contra o Celtic em ’67, dando o mundo ao racing).
2. Cesar Cardoso | 27/05/2011 às 14:27
Emocionante. Só posso dizer isso. Emocionante.
Parabéns Iuri e Maurício por serem testemunhas oculares da História (com H maiúsculo) do Futebol.
3. eduardo | 27/05/2011 às 14:28
Muito especial esse relato, sou viciado em futebol justas estas palavras, abraços …
4. Juan Carlos "Chango" Cardenas | 27/05/2011 às 14:29
ah, e quanto ao texto eu não preciso falar o óbvio, todos sabem que esse é mais um dos textos míticos do impedimento…
5. Vizzotto (Goleiro) | 27/05/2011 às 14:30
Q texto, senhores!
E o q são esse torcedores? O que é essa camisa?
PEÑAROL já é o campeão! Torço pra isso!!
E pra que QUEBREM o Papaymar no 1º jogo!
6. Carlos | 27/05/2011 às 14:31
Bah…qta inveja (da boa) dessa gurizada…
Já estive no Centenário lotado…e é do caralho.
7. Leonardo | 27/05/2011 às 14:42
FODA
Peñarol campeão da Libertadores 2011 pelo bem do futebol…
Final Cerro x Penãrol com jogo decisivo em Assunção seria perfeita…
8. Juan Carlos "Chango" Cardenas | 27/05/2011 às 14:44
Ontem, vendo o jogo e tomando um suco de cevada na casa dum amigo meu, me vi tomado de sentimentos contradotorios: ao mesmo tempo que tenho nojo dlo peñarol (nojo que só nao é maior do que sinto pelo inter, mas chega perto), me encontrei torcendo por ele. Talvez por ter a certeza de estar presenciado um VERDADEIRO JOGO DE COPA, depois de muito tempo, talvez por ver que o chiquito velez nao é um time digno de portar La Copa ou talvez simplesmente por estar borracho, nao sei… só sei que dormi tranquilo e acordei feliz, por ter visto um verdadeiro jogo de futebol, o que é raridade hoje em dia… (perdoname, bolso)
9. rafael botafoguense | 27/05/2011 às 14:47
já vi que no uruguai é PEÑAPRESS
10. col | 27/05/2011 às 14:51
Texto fodastico, ou batraquio como diria aquele vivente.
11. @educovalesky | 27/05/2011 às 14:54
Monstros! Peñarol, Müller e Brum. E há quem não goste de futebol. No puedo creer. Faltou da TV uma tomada que mostrasse o Centenario inteiro na tela, como um CALDEIRAO ESFUMAÇANTE DA BRUXA DO 71. Essa era a impressão que dava.
12. fino | 27/05/2011 às 14:58
oolhaaa………..
acho que o velez dá o talagaço na argentina
13. Alexandre de Santi | 27/05/2011 às 15:00
Demais, caras. Grande cobertura.
14. Alexandre de Santi | 27/05/2011 às 15:11
Post atualizado com vídeos de ontem. Se liguem no segundo.
15. Ladislau | 27/05/2011 às 15:30
Sensacional. O recebimento, o clima, o jogo, o texto. Quando o assunto é Peñarol, segura que lá vem poesia. O Carbonero assim, desperta a paixão nas suas formas mais intensas, ou voce os ama ou voce os odeia, quem conhece futebol, nao fica indiferente ao Peñarol. Estou torcendo muito por uma final entre Santos x Peñarol.
Não dá pra esquecer uma das maiores finais de libertadores da história.
Peñarol 1×2 Santos
Santos 2×3 Peñarol
Santos 3×0 Peñarol
16. Chico Luz | 27/05/2011 às 15:42
Que coisa sensacional.
17. Prestes | 27/05/2011 às 15:44
O torcedor do Nacional ressentido foi genial, husaduhsadhuasdhuasduhsduh
18. Norteña | 27/05/2011 às 15:46
Pena que aqui, até soltar um peido no estádio é proibindo pela “briosa” BM, que ultimamente, aliás, só tem servido para bater em socios do Gremio.
Grande texto senhores.
19. Clodovil | 27/05/2011 às 16:28
“nossa, tenho nojo do peñarol e do interi, ui ui ui”
20. Juan | 27/05/2011 às 20:19
aaahhhh… enfim um jogo de libertadores…o sagrado e o profano comiendo un choripán carregado nos picles e na pimentina e dividindo uma Patricia litro “senta’os al cordon de la vereda”…
Santos muere en paraguay… dioses y demonios quieren una final digna de la produndidad y complexidad de la expresíon FUTBOL.
21. Paul | 27/05/2011 às 20:54
Escrevem pouco essas criança.
22. Vitor Barbosa | 27/05/2011 às 22:55
O escanteio do gol não teria sido batido na tribuna Amsterdam ao invés de Colombes? No mais, ótimo texto.
23. tio Ota | 28/05/2011 às 08:38
Maravilha, gurizada. Parabéns pela oportunidade que tiveram e pelo belo texto, como sempre. Torço por vocês e sou mais um hincha de Peñarol.
24. Matias Pinto | 29/05/2011 às 02:20
Gurizada, mataram a pau, mais uma vez! Apenas duas correções, que não comprometem de nenhuma maneira o texto…
-Pepe Mujica é villero, mas como o mesmo disse após a visita “esta rayada tiene la Celeste abajo”
-Luis Aguiar bateu o corner redentor a frente da Tribuna Amsterdam
25. Sancho | 29/05/2011 às 11:04
Só registro que a lei foi objeto de plebiscito recente e a maioria da população foi a favor da manutenção da lei. O que o governo faz é esquecer o resultado (de um pleito por ele mesmo chamado) simplesmente porque não gostou dele, já que tem maioria em ambas as casas.
26. Rudi | 29/05/2011 às 14:47
post errado, sancho?
27. Sancho | 29/05/2011 às 16:01
Não. Os guris falaram na Lei de Caducidade acima, Rudi.
28. Rudi | 29/05/2011 às 19:01
bah, confundi muito, por algum motivo achei que tu falavas sobre o plebiscito brasileiro do desarmamento, que teve um resultado e agora tão tentando forçar a barra pra contrariar tb…
mal aí
29. Sancho | 29/05/2011 às 20:59
Re 28
A confusão é compreensível. É a mesma coisa, Rudi. Não muda nada…