Uma Copa e uma lenda

Essa noite que terminou com o “Lolo” Estoyanoff jogado na lateral do campo, às lágrimas, festejando um gol improvável e sofrendo um furioso ataque de bobinas em San Carlos de Apoquindo; essa noite em que os seiscentos uruguaios presentes no pé da cordilheira viram gols perdidos aos montes pelo Peñarol, grandes defesas de um goleiro frangueiro e a assustadora proximidade da decisão por pênaltis; essa noite em que, outra vez no Chile, mesmo que em outro estádio, porque agora já não era mais o imponente Estádio Nacional, o carbonero logrou um triunfo copero nos minutos finais, como em 82, ano daquele gol de Fernando Morena, e em 87, ocasião do júbilo de Diego Aguirre; essa noite de ayer, quando o Peñarol foi grande como tão poucos sabem ser, essa noite é para sempre.

Vinte e quatro anos ausente de uma etapa semifinal da Libertadores, o Peñarol decretou o fim do tabu após, no placar agregado, superar a Universidad Católica do Chile por 3-2. Da primeira partida da fase de grupos (Independiente 3-0 Peñarol, em Avellaneda) até aqui, já há um bonito percurso. Mas a noite de ontem é eterna porque ela é o ponto mais alto de toda uma modernidade – que abrange a maior parte da década de noventa e a totalidade dos anos do novo século. Assim como ocorreu nas partidas do Uruguai na última Copa do Mundo, o deleite de cada vitória do Peñarol se amplia por, justamente, todo triunfo maior ser a possibilidade de escapar de um período que foi obscuro, largo e repleto de episódios constrangedores.

Entre todos os infelizes torneios do Peñarol na década que há pouco se encerrou, o mais triste talvez tenha sido o Clausura de 2006. A tabela final do certame mostra o Peñarol na última colocação entre os dezessete times, com sete pontos somados e nenhum resquício de dignidade. Entretanto, a pontuação do carbonero em campo até foi maior – nos tribunais, o clube perdeu 12 pontos por conta das brigas da sua torcida com a do Cerro e que custaram a vida de um torcedor. Mesmo com as unidades acrescidas, o Peñarol terminaria apenas na 12° posição. Naquela temporada o aurinegro possibilitou ao Nacional algumas das mais memoráveis flautas do século: perdeu até para o Plaza Colonia, levou 4-2 do River Plate no Centenário e, no dia em que o rival ergueu a taça, foi goleado por 5-1 pelo Montevideo Wanderers.

Perder – e nem sempre de pouco – inclusive para as equipes menores de Montevideo foi uma das sinas do Peñarol nos anos 2000, como contam as páginas amareladas do Viejo Impedimento. No final da década, porém, o quadro mirasol juntou o que sobrava da honra e deu um jeito de voltar à Libertadores – em 2009, no entanto, não passou da fase eliminatória depois de levar 4-0 do Independiente, em Medellín. A garantia de disputar a competição a partir da fase de grupos só chegou em 2011, dois anos depois de o Nacional chegar a uma semifinal da Libertadores e do Uruguai encerrar a Copa como a quarta melhor seleção do mundo – a evolução do futebol uruguaio só não alcançava, ainda, o Peñarol, para desespero de uma torcida que seguiu preenchendo as tribunas do Centenário mesmo em dias de tão pouca glória.

E ao mesmo tempo em que nada acontecia e que uma nova taça no armário parecia uma ilusão pesada demais para Montevideo suportar, existia também outra sensação, ainda que contraditória – com aquelas cores únicas, naquele mesmo Centenário de todos os dias, o renascimento precisava ser uma questão de tempo, como sempre foi ao longo de uma história que se aproxima dos 120 anos, ainda que nunca tudo tivesse sido tão complicado como agora. Então regressou Diego Aguirre, vieram Juan Manuel Olivera, Carlos Váldez e Nicolás Freitas, Martinuccio ficou e Guillermo e Darío Rodríguez recuperaram o antigo futebol: armava-se, finalmente!, uma equipe para voltar a brigar pela Copa.

Da caída em Avellaneda, passando pelo impactante triunfo em Mendoza, pela abertura da maior bandeira do mundo no Centenário, pelos cinco minutos que arrasaram o Beira-Rio e pela desgraça de Garcés até o gol mais importante da carreira de Fabián Estoyanoff, fez-se uma campanha que talvez tenha como inevitável destino a final. Lembrar-se das duas décadas e meia em que o Peñarol esteve longe das semifinais é tentar compreender o tamanho da classificação de ontem para uma geração que não viu o título de 1987 e para a qual todas as copas residem tão somente nas lendas. Pois ontem os uruguaios podem ter encaminhado mais uma – cuja consolidação depende de encardidos embates no Fortín de Liniers e em Montevideo. No Rio da Prata, o mar doce do sul, contra o Vélez Sarsfield da Argentina.

Acá, los goles.

Saludos,
Iuri Müller