Depois não vale chorar a maçã mordida

O Once Caldas é hoje como aquele mendigo que um dia você cruza na rua e não reconhece. Fica apenas com um estalo, ‘conheço de algum lugar’. Em seguida, cai na gargalhada e percebe que é o mendigo, só que barbeado, com roupas novas e cheiro de perfume, em vez do tradicional néctar da canjibrina. Assim é agora o time colombiano.

Na partida de ida contra o Cruzeiro, nem a torcida esbanjava confiança e o público em Manizales foi muito pequeno para a importância do jogo. Ontem, o estádio estava abarrotado. Agora, o que se vê é um time organizado em campo, bem distribuído, com jogadores confiantes. Uma equipe que sai da defesa para o ataque tocando bola, sem medo de arriscar. Ao menos, era o que se via no primeiro tempo, apesar das escassas chances de gol. Acontece que o Once Caldas não resiste à tentação displicente de irritar o torcedor, jogando mal dentro de casa.

Do outro lado, o Santos também é hoje uma equipe bem mais organizada. Uma equipe treinada por Muricy. O Zacarias já conseguiu convencer laterais faceirinhos como Jonathan e Léo a guardar posição. Os Moleques da Vila compõem hoje um time bem postado, que sai só na boa, sem dar espaços atrás.

Com os dois times bem postados em campo, o primeiro tempo transcorria modorrento como uma partida de Muricybol. A única alegria era ver Renteria jogar. O Saci simplesmente sobrepujou a marcação de Edu Dracena durante toda a partida, desde o primeiro lance de perigo do jogo, em que o zagueiro deixou Wason livre para cabecear. A facilidade era tanta que Renteria, obviamente, errou o gol. Durante todo o jogo, o atacante colombiano conseguiu girar para cima de Dracena 128 vezes, segundo o ImpedScout. Wason aproveitou a situação, é claro, para testar chutes bisonhos, disparando uma infinidade de arremates em que a bola foi tocada com partes do pé que só ele tem. Gol fácil, definitivamente, não é com ele.

Mas dizia eu que a aritmética partida transcorria modorrenta, até que aos 42 do primeiro tempo Neymar pegou a defesa do Once Caldas aberta e encontrou Alan Patrick livre para fazer o único gol da partida. Os colombianos voltaram do intervalo profundamente TACITURNOS. Já o time de Muricy, por incrível que pareça, tinha em Neymar um poço de lucidez. Isso se dava porque a missão do guri era a mais adequada para ele: prender a bola na ponta e cavar faltas. Não demorou muito conseguiu a expulsão de Calle. Em seguida, Elano acertou o poste de Martinez, cobrando falta.

Mas apesar de ter um homem  a mais, o Santos não teve forças para agredir o Once Caldas por muito tempo. Na segunda metade da etapa final quem agredia eram os colombianos, deixando, é claro, espaços para contra-ataques perigosos, mas pouco efetivos dos brasileiros. A pressão dos cafeteros, por outro lado, até rendeu alguns calafrios aos santistas, mas, por fim, os donos da casa não resistiram à tentação de perder mais uma em seus domínios.

Agora: engana-se quem pensa que a maçã envenenada foi mordida pelos colombianos. Ao contrário, foi o Santos que não resistiu a fazer o golito, matreiramente calculado pelo Once Caldas. O gol que faz a serpente sussurrar nos ouvidos dos moleques que os brasileiros são superiores e que esse time adversário é fraco, com atacantes balaqueiros, folclóricos e inofensivos. O fiel da balança nesta passagem do Velho Testamento copeiro será Muricy Ramalho. Ele é hoje o treinador brasileiro mais especializado em colocar os pés de seus comandados no chão. Por outro lado, é também considerado um técnico covarde demais para obter êxito em mata-matas. Qual face de Zacarias irá prevalecer? E o Once Caldas, vai comer a bola fora de casa mais uma vez? Como decidi encerrar minha carreira de vidente no auge, não me atrevo a responder.

A foto é de Mauricio Duenas/Efe

Um abraço,
Felipe Prestes