Tudo o que você queria ser

Todos nós temos restrições a Rogério Ceni, mesmo que torcedores do São Paulo estejam entre nós. Lembramos seus episódios de arrogância, a polêmica proposta do Arsenal, as piadas com os rivais, a tentativa infrutífera de parecer um herói do desporto, as vezes nas quais foi eleito o melhor goleiro do Brasil sem merecer. Porém, nesse domingo, Rogério Ceni foi tudo o que nós queríamos ser: artilheiro contra o rival, autor de 100 gols, decisivo debaixo das traves e longe delas, quando enfastiou a rede do goleiro do Corinthians e banhou de ouro a sua estátua diante do Morumbi.

Nem todos nós seríamos Rogério Ceni, estando no lugar dele. Nem todos diriam que o São Paulo luta contra as coisas erradas do futebol, fazendo parecer que o clube é o único mocinho num oceano de vilões. Alguns mandariam a torcida adversária calar a boca, outros tirariam a roupa, outros ainda seriam mais discretos ao rejeitar a não tão óbvia comparação com Pelé. O fato é que Ceni, no ocaso da sua carreira, realizou quase tudo que um jogador-torcedor gostaria de realizar. Esteve parte em grupos de três mundiais e três Libertadores, sendo decisivo no Japão; levou quase todos os títulos que seu clube poderia conquistar. Foi decisivo, errou, marcou gols, sofreu frangos, desafiou, questionou, mentiu e disse a verdade. Nos últimos 20 anos, Ceni mostrou em público todos os defeitos que todos nós temos no trabalho, com a diferença de que seus defeitos sempre foram objeto de análise, discussão e debate em todos os programas esportivos. Ceni esteve na mídia, foi endeusado e massacrado por ela. Foi humano como poucos, torcedor como muitos, privilegiado como ninguém.

Em um clássico que se destacava pelo futebol sem brilho de um São Paulo insosso e a inaptidão ofensiva do Corinthians, cujo treinador não soube lidar com a boa marcação em cima de Liédson, a história se fez presente com maestria. Não precisava ser na Arena Barueri, poderia ser em um campeonato maior que o Paulista, em um jogo ainda mais decisivo – o que interessa, entretanto, é que no momento em que Rogério Ceni caminhou em direção a bola, só os corintianos não queriam que a história fosse escrita.

Todos nós temos o direito de analisar e questionar quase tudo sobre Rogério Ceni. Seu bom-mocismo muitas vezes forçado, suas qualidades não tão diferenciadas debaixo das traves, suas palavras duras, as roupas que veste, a influência diante do grupo. Como figura pública, Rogério Ceni é vítima das suas circunstâncias: é capitão e símbolo de um dos clubes mais vitoriosos da história do País, e o ódio dos adversários é o seu maior reconhecimento.

Só não temos, acredito, o direito de questionar o momento histórico desse domingo. Eu queria ser Rogério Ceni cobrando aquela falta. E acredito que, na Arena Barueri, mudando as camisas, as cores e os personagens, todos queriam ser.

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O clássico, em si, foi um grande clássico. Não um grande jogo, mas teve todos os componentes que colocam uma partida daquelas dentro do rol das mais importantes do ano.

São Paulo e Corinthians disputavam a liderança e tentavam vencer o medo de perder ao seu modo. O São Paulo tentava agredir com chutes de longe, no primeiro tempo; ao mesmo tempo, o Corinthians tinha a intenção de chegar na área com passes e dribles, tentando o melhor ângulo para o gol. A referência, entretanto, era Liédson, que desapareceu com a boa atuação da zaga tricolor.

A volúpia são-paulina foi premiada com o gol de Dagoberto, e pouco mudou até a história ser escrita pela curva de Rogério Ceni. Com o nervosismo do Corinthians, traduzido em um carrinho de Alessandro e na pressa para finalizar qualquer jogada, o tabu estava caindo e até uma goleada se desenhava. Entretanto, Dentinho meteu um belíssimo chute de fora da área no ângulo de Rogério e diminuiu; dois minutos depois, Dagoberto socou um adversário e foi para a rua. O Corinthians se jogou ao ataque, mas sem presença de área; Carpegiani armava o time para o contra.

A expulsão de Dentinho por chutar o saco de um adversário facilitou as coisas para o São Paulo. Apesar de seguir desperdiçando os contra-ataques, especialmente com Marlos, o Corinthians perdeu força e capitulou. Destaque, ainda, para as duas ótimas defesas de Rogério Ceni que sacramentaram o seu poder decisivo na partida: um chute no ângulo, quando o jogo estava 1×0, e uma bicicleta de Liédson defendida aos 49.

Até a vitória,
Luís Felipe dos Santos