Ensaio sobre a pequenez

Foto: Delson Silva/AgNews

Desculpem-me os homens de fé, mas a cada dia me convenço de que a humanidade, se obedece aos desígnios de alguém, esse alguém é um péssimo roteirista. Pior do que isso, alguém que erra desde a composição dos personagens. Sabendo do encantamento quase sobrenatural que seres capazes de encaixar esferas dentro de retângulos têm sobre nós, mortais, como pode alguém dotar um corpo genial de uma mente tão… fraca, ignóbil, tão pequena de espírito quanto a de Ronaldo de Assis Moreira.

Craques existem de monte por aí, mas cabem em uma mão os jogadores a quem o destino oferece a oportunidade de entrar para a galeria de ídolos eternos de um time de massa. Mais raros ainda, para a história do futebol. Ronaldinho foi um desses iluminados desde o início. Em tempos em que os times brasileiros se reciclam a cada semestre, o camisa 10 por muito pouco não deixou escrita uma bela página na história do Grêmio em apenas 90 minutos – um chapéu, um elástico e um título gaúcho já era o suficiente.

 

Mas não. A saída de Ronaldinho foi traumática não só pela rasteira financeira, mas pelo recheio de cinismo, de declarações atravessadas, de falta de ética até para um meio quase sem ética, que agora se repete. Em 2000, o jogador deixou o clube em que cresceu pela mesma porta dos fundos pela qual sairia do Barcelona e, agora, do Milan.

 

Engraçado é a generosidade do destino com Ronaldinho. Em 2006, ele fez parte de um dos maiores esquadrões da Seleção Brasileira em uma Copa do Mundo. Estrela máxima de um time, no papel, comparável ao de 1970. Após a desonrosa derrota contra a França, foi fotografado em uma boate qualquer como se fosse uma noite qualquer, e não aquela em que deixou o trem da história passar.

 

E a que outro jogador foi dada a oportunidade de fazer história em um clube jogando por outro? Pois aconteceu em dezembro de 2006, outra vez em 90 minutos. Acreditem, a decepção não foi por ele não ter vencido o Inter em Yokohama. Edmilson contou em entrevista, tempos depois, que o Barcelona sequer sabia a cor do uniforme do Inter no vestiário. Ou seja, Ronaldinho jamais mencionou a um colega de clube o significado daquele jogo. Talvez ele nem soubesse, ou, mais provável, não se importasse.

 

Por uma espécie de maldição, nunca mais jogou nada.

 

Ronaldinho voltar para o Grêmio aos infantes 30 anos, em ano de Libertadores, treinado por Renato, é mais um dos ajustes de conta que o destino apresenta de bandeja ao jogador. Por isso mesmo, é muito provável que ele o rejeite. Trocará um caminhão de dinheiro por um caminhão de dinheiro e meio, mais um passe livre na noite carioca. Ao pisar no Olímpico, ficará meio incrédulo ao ser vaiado como ninguém foi.

 

Duro é que daria certo por aqui. Com a torcida do Grêmio no fio da navalha entre a raiva e a idolatria, acostumada a manter seus meias em rédea curta e sob a batuta de um mestre em conciliar empenho em campo com os prazeres da vida extracampo, Ronaldinho voltaria a ser um monstro do futebol em um semestre, podendo seguir uma cada vez mais improvável trilha até 2014 no próprio clube ou onde desejasse.

 

Testemunhar essa oportunidade passar não me dá raiva, mas certa tristeza. A mesma que senti ao ver Maradona excluído da Copa de 1994 por dopping, ou Zidane arruinando seu lugar no olimpo do futebol ao perder a cabeça no peito de Materazzi. É a decepção de vislumbrar a história ali à frente, mas tropeçar na realidade.

 

Ronaldinho tem grande chance de dar certo no Flamengo – raro clube em que fubangagem e bola parecem encontrar um equilíbrio cósmico. No Rio, tem tudo para se tornar o novo Adriano. Já se o objetivo fosse voltar aos trilhos do próprio Ronaldinho, aquele do imenso potencial (técnico) para virar uma lenda do esporte, fica a convicção de que o jogador, hoje, precisa do Grêmio mais do que o Grêmio precisa dele.

 

Mas não é esse o objetivo desse cara. Nunca foi. Que pena.

 

Caue Fonseca