Sai daí, rapaz

Parece meio óbvio, agora, com o Flamengo a fazer fiasco no Brasileiro e colecionando o maior número de empates pamonhas que um time poderia deter no certame, pixotar o goleiro titular da equipe, esse menino com cara de quem se perdeu no estacionamento do parque aquático  chamado Marcelo Lomba. Tão óbvio que me nego a fazê-lo.

Pobre Lomba. Goleiro que não se dá ao prazer de exigir nas costas o número 1 muito bem e claramente impresso (quiçá tatuado), convenhamos, está meio desencaminhado no ofício. O nosso personagem, por razões místicas e numerológicas, prefere o tal de 29. O torcedor olha pros olhinhos assustadiços, o aspecto de moço alto mas não seguro, e vê aquele 29 nas costas e trata de desconfiar.

Lomba não deveria ser o titular do Flamengo hoje. Mas acabou sendo por força maior e agora precisa segurar a peteca. O antigo titular, Bruno, como já é de notório conhecimento popular encontra-se em regime fechado de detenção, suspeito de assassinato e ocultação de cadáver, entre outras gentilezas. Antes de se tornar o presidiário mais ilustre do país, Bruno era o capitão do Flamengo – foi o capitão da equipe que tirou o Mengo de uma fila de 17 anos sem ganhar o Brasileiro.

Bruno era um goleiro à altura de seu time. Mais importante que sua técnica, Bruno tinha alma – ainda que uma alma homicida e por muitas vezes boçal. O torcedor médio esquecia tudo, até os frangos, quando o capitão se empunha, crescia, fechava o gol, catava pênaltis. Morava nessa alma o diferencial de Bruno, que não era todo aquele goleiro que ele pensava ser, mas era goleiro o bastante para a massa rubro-negra. Uma vez no time titular, Bruno só dele saiu por contusões e eventuais punições por cartão. Nunca um goleiro reserva ameaçou a sua posição de titular.

Goleiro tem dessas coisas, precisa de alma, precisa de carisma e precisa de parecer que sabe onde está. A gente vê o Marcos (São Marcos), o cidadão todo remendado, e debaixo das traves do alviverde o cara parece um eleito. Todo torcedor – à exceção do palestrino – deve nutrir uma vontade, mesmo enrustida, de ter no gol Marcos. Todo torcedor sabe que naquela hora mais grave, um goleiro seguro é muita vantagem. Marcos, porém, não ilustra claramente o meu ponto de vista.

Tomemos Victor, Rogério Ceni e Fernando Prass. Peçam às suas torcidas para os criticarem em público, à viva voz. Não escutaremos um mísero arroto. Victor só está a uma grande conquista de se tornar imortal no Imortal. Rogério Ceni é praticamente a alma em estado físico do São Paulo e Fernando Prass periga ser o único jogador contra qual a torcida do Vasco não ousa levantar a voz. São sumidades entre os seus, mas somente entre os seus.

Lomba, que sequer era o imediato de Bruno há um ano atrás, viu cair em si esse tipo de cobrança. A diferença é que Bruno já possuía cacife para cobrir suas falhas e Lomba não passa de um menino que aparenta estar no lugar de outro. Suas falhas são vistas por olhos que ainda enxergam outro goleiro na posição. O próprio time já se vale do passado recente para se vender como um elenco respeitável. É uma dureza o cotidiano de Marcelo Lomba.

O melhor que ele poderia fazer é pular fora. Procurar outro time, outra profissão, outro lugar. Procurar um espaço pra chamar de seu. Marcelo Lomba não é goleiro para o Flamengo, não agora. Talvez lhe falte certos macetes que a vida se encarregará de providenciar. Talvez ele nunca venha a ser o goleiro que precisamos e, tudo bem, Lomba poderá ser o goleiro de outra torcida. Goleiros são seres extraordinários, afinal. Lomba saberá encontrar seu lugar quando sair da sombra imensa que lhe tapa as vistas debaixo das traves rubro-negras.

Leandro Godinho