Mais que um campeão, um gigante acordado

O título conquistado pelo Peñarol nessa terça-feira é simbólico, mais pelo significado da campanha do que pela taça em si. A taça é a coroa que faltava para um time que ressurgiu nos últimos cinco meses, assim como os números brancos na camisa jaldenegra, e que fazem sua torcida sonhar como nunca foi capaz desde que Bengoechea levantou a mão espalmada com os dedos abertos, em 1999.

Diego Aguirre é responsável por metade dessa recuperação. Quando o Peñarol foi campeão pela última vez, em 2008, muitos torcedores aurinegros olharam com desdém para a própria conquista. O time de Saralegui tinha Bueno, Estoyanoff e Olivera, três jogadores contratados por Paco Casal, de mãos reatadas com a família Damiani e o contexto mirasol. Não se sabia até quando permaneceria esta aliança, e o quão verdadeira ela era. Tanto que logo depois, os destaques foram embora, o time murchou, o que culminou com uma humilhação completa em frente ao Independiente Medellín na Libertadores de 2009. Agora, era diferente. O Peñarol levantou a taça do Clausura e sabia que era pouco. Interessavam os clássicos. Interessava a grande final.

Interessava tudo isso porque o torcedor do Peñarol aprendeu a desconfiar. Depois do desmanche de 2009, viu a volta de Olivera – que não foi sombra do jogador de 2008 – a contratação de alguns grandes valores e o dinheiro de Casal a conta-gotas, represado na Receita Federal. O torcedor do Peñarol aprendeu a desconfiar da mística e do pensamento mágico: Julio Ribas, o último grande treinador, fracassou; Tony Pacheco, o último grande jogador, ainda levava o time nas costas, mas com 10 anos a mais nas pernas. Diego Aguirre, ídolo, assumiu a casamata com um time bom, porém desconfiado. Chamou Urretaviscaya de volta. Contratou o baleado Orteman. E montou uma equipe com a sua cara, muita qualidade, nenhum atacante duro de referência. Mesmo com o bom Diego Alonso no banco.

A outra metade da recuperação tem os jogadores como responsáveis. E aí, é importantíssimo retornar à figura de Tony Pacheco. Entrado em anos, dado como velho, fracassado em vários dos times onde atuou. Voltou à sua casa e sempre jogou bem, mesmo quando o time era um desastre. Quando das incertezas, Pacheco assumiu a faixa de capitão, o papel de melhor do time, o chapéu, o sobretudo, o cachimbo e a ponta da mesa. Não por acaso, fez 23 gols no Clausura.

Esse time do Peñarol venceu de forma sofrida o campeonato. Poderia decidir tudo na semifinal, mas perdeu por 2 a 0 para o Nacional. No sábado, venceu o clássico pela vantagem mínima. Ontem, saiu perdendo com gol de Lembo, empatou com gol do porto-alegrense Aguirregaray e ainda levou duas bolas na trave antes do juiz erguer a mão e decretar o 46º título uruguaio carbonero.

Foi mantida a desconfiança, foi iniciada a festa. Há nove meses de distância entre este time e a próxima Copa Libertadores, um latifúndio, uma gestação. Porém, da forma que está nivelado o futebol sul-americano, com todos os times jogando parecidos, vencendo no detalhe; e da forma que os europeus estão comedidos ao surrupiar nossos talentos, não é impossível deixar os carboneros sonharem. Vinte e três anos depois, porque não?

Até a vitória,
Luís Felipe dos Santos