Os dentes de Fernanda

23/01/2010 at 10:00 36 comentários

Perdemos de novo. Eu fui o goleiro. Não jogo nessa posição, mas o titular não veio e ninguém do time gosta de jogar no lugar dele. Então encarei o desafio, disse que eu era o único macho ali pra substitui-lo. Meu time todo achou graça e eu acabei fazendo um papel lamentável. Ainda tive que aguentar o goleiro adversário imitando com deboche meus frangos do outro lado do campo. Fiquei quieto, eu já estava bastante irritado com o jogo perdido.

Fernanda chegou a cinco minutos do final. Parou na lateral da quadra, sentou em um banco de madeira. Fumava um cigarro.

Quando a campainha tocou avisando o fim do nosso horário, cumprimentei todo mundo, menos o goleiro palhaço, saí da quadra e sentei ao seu lado.

Por que tu chega sempre só no final? — eu bufava, o suor escorria pelo rosto.

Sei lá, eu tava em casa dormindo, perdi a hora.

Notei que seus dentes estavam amarelados, talvez fosse o maldito cigarro.

Por que tu não para de fumar, teus dentes estão horríveis, essa merda ainda vai te matar — falei, na verdade mais com raiva do resultado do jogo do que com os dentes dela.

Fumar me faz bem, se meus dentes são horríveis o problema é meu — ela resmungou. Vamos sair hoje?

Não posso, combinamos um churrasco — acenei para meus amigos, eles já estavam em volta da churrasqueira, no fundo do ginásio, bebendo cerveja.

Na semana seguinte eu joguei na linha, mas não fiz uma boa partida. Machuquei o pé logo no início: driblei o goleiro e quando fui chutar em gol ele me calçou por trás, ainda deitado no chão. Discutimos e o jogo ficou parado por alguns minutos. Ainda estávamos calmos, se fosse ao final da partida aquela discussão tinha virado briga.

Fernanda chegou um pouco antes de o jogo acabar. Após o sinal, sentei no banco de madeira com ela.

E então, foi ao dentista? — perguntei. Ela continuava fumando.

Fui, já comecei o tratamento, o dentista é muito legal.

O dentista? É um homem? — tentei parecer desinteressado.

É, um homem, um cara bem simpático.

Bonito? — vacilei.

Lindo — ela disse, jogando o filtro do cigarro na caixinha de areia ao lado do banco.

E esse dentista lindo não mandou parar de fumar? — eu queria parecer irônico, mas na verdade estava mostrando o quanto era imbecil fazendo aquelas perguntas.

Mandou, esse foi o último — ela respondeu. O que nós vamos fazer hoje à noite?

Acho que não posso sair — respondi, tirando o tênis e a meia. Machuquei meu pé, olha — mostrei meu tornozelo, doía um pouco e estava levemente inchado. Ela ficou quieta, continuou olhando para o toco de cigarro fumegando dentro da caixinha de areia imunda.

O outro jogo foi bastante disputado, mas de novo não conseguimos ganhar. Eu estava angustiado e joguei muito mal. Discuti com o goleiro adversário mais uma vez. Ele continuava debochando do meu jogo, desta vez por causa dos gols que eu perdia. Xinguei ele e o juiz, recebi um cartão e quase fui expulso. Quando o jogo estava acabando, Fernanda chegou. Não fumava, agora mascava um chiclete. Tive a impressão de vê-la, de longe, sorrindo pra mim. Passei pelo goleiro e ele cuspiu na minha camiseta. O juiz não viu. Não fiz nada, limpei o cuspe e continuei jogando. Ao final do jogo, abri uma garrafa de água mineral e sentei ao lado dela.

E então, parou mesmo de fumar? Teus dentes até estão mais claros — eu disse.

Parei, tudo pelo tratamento — ela respondeu, simpática. Tinha uma expressão diferente. Estava animada como eu não via há muito tempo.

Eu sabia que isso ia deixar teu sorriso mais bonito — insisti.

Obrigada. Vamos sair?

Hoje não vai dar, amanhã tenho uma reunião importante no trabalho e preciso descansar. Talvez amanhã à noite… — falei, distraído.

Ela não respondeu, continuou mascando o chiclete com uma expressão feliz no rosto. Talvez aquele sorriso fosse uma defesa e ela estivesse profundamente irritada com minha recusa, mas achei melhor não levantar esse assunto.

No jogo seguinte ela chegou um pouco mais cedo, pôde ver algumas jogadas, neste dia eu estava inspirado mas não consegui marcar nenhum gol. Ela continuava mascando chiclete, o goleiro continuava me irritando, e numa confusão dentro da área, quando surgiu a oportunidade, pisei na perna dele.

Qual é o problema, cara? — ele me intimou, no chão, a mão na perna machucada.

Não respondi, o juiz me olhou com reprovação e eu pedi pra ser substituído, senão aquele desentendimento ia engrossar.

Sentei com Fernanda no mesmo banco de sempre.

E então — comecei — agora largou o cigarro e ficou viciada em chiclete?

É uma goma pra clarear os dentes, sugestão do dentista — ela se defendeu. Continuava com um olhar distante, mas estava bastante amorosa e sorridente.

Puxa, esse cara deve ser muito bom — forcei, só pra ver sua resposta.

É ótimo, mas acho que o tratamento está no final. Uma pena, tenho me sentido muito bem cuidando do meu sorriso — ela disse.

Eu já imaginava isso, é bom cuidar do próprio corpo.

A gente podia sair hoje… — ela insinuou.

Amanhã tenho uma prova importante, preciso estudar, quem sabe não transferimos pra outro dia? — me esquivei.

Na outra semana eu joguei muito bem e fiz vários gols. Há muito tempo eu não marcava, aquilo me aliviou. Fernanda chegou na metade do tempo, talvez ela estivesse começando a gostar das partidas. De longe eu a vi entrando no ginásio, muito linda, os dentes brilhavam, pareciam artificiais.

Pouco antes do jogo acabar, recebi a bola livre na frente do goleiro e ele não hesitou: o chute veio direto na minha coxa, eu caí pro lado urrando de dor. O juiz apitou. O segundo chute veio no meu rosto, embaixo do nariz, e depois do terceiro eu parei de contar. Acordei alguns instantes depois com o uniforme encharcado de sangue. Fui atendido pelos meus amigos. Minha primeira reação foi perguntar a eles pelo filho da puta do goleiro, mas eu não conseguia falar. Coloquei a mão na boca e senti que me restavam poucos dentes.

Fernanda continuava sentada no mesmo banco de madeira, mascando seu chiclete e sorrindo pra mim, impassível.

Hoje tenho um bom motivo pra não sair — falei com dificuldade. Eu queria parecer engraçado, mas enquanto falava eu babava mais sangue. Minha situação não era nada boa.

Tudo bem, hoje eu já tenho compromisso — ela disse, ainda sorrindo.

Antes que eu pudesse perguntar qual era o compromisso ela se levantou do banco e completou.

Acho que quem precisa de dentista agora é tu — depois ela cuspiu o chiclete na caixinha de areia e se foi.

Eu não consegui dizer mais nada, fiquei olhando ela ir embora, depois me agachei e continuei a catar meus dentes espalhados sobre o sangue no chão da quadra.

Texto enviado por Dante Sasso, o Tolstoi do bairro IAPI.

Entry filed under: Contribuições, Literatura.

Troféu Dendê 2010 Campeonato bom se mede pelo número de empates

36 Comentários Add your own

  • 1. Durinevsky  |  23/01/2010 às 10:47

    e o dentista era o goleiro?

  • 2. Lorenz  |  23/01/2010 às 11:00

    kljsaj no meio do texto já tava imaginando o final…

    Algum problema com os goleiros? kjlgasjklgs

  • 3. Logan  |  23/01/2010 às 12:05

    #1 Seria melhor ainda se fosse! aueheuaeuheh

  • 4. Cassol  |  23/01/2010 às 13:08

    Não curti.

  • 5. Menezes  |  23/01/2010 às 13:10

    Vou sentir tua falta, Dante. VOLTA LOGO

  • 6. Prestes  |  23/01/2010 às 14:04

    Eu já li esse texto.

  • 7. rafael botafoguense  |  23/01/2010 às 15:17

    dente é foda,coloquei aparelho outro dia,dói pacarai …imagina ter os dentes quebrados putz.. deve ser mó escroto.

  • 8. Branco  |  23/01/2010 às 17:10

    #1
    Pensei a mesma coisa.

  • 9. Guilherme Dias  |  23/01/2010 às 17:42

    Quem chamou o David Coimbra?

  • 10. Prestes  |  23/01/2010 às 19:08

    “dente é foda,coloquei aparelho outro dia”

    morri.

  • 11. EGS  |  24/01/2010 às 12:25

    Rafael sempre se superando.

    DANTE > DANTE AQUELE (ns)

  • 12. col  |  24/01/2010 às 13:34

    Muito bom.

    Dante, tu conhece um tal de Julio de Castro que estudou no Becker?

  • 13. Marcos SL  |  24/01/2010 às 14:21

    Futebol e dentes quebrados. Combinação digna da várzea…

  • 14. Cícero  |  24/01/2010 às 17:28

    Sai dae Coimbra!

  • 15. gilson  |  24/01/2010 às 18:47

    Ronaldinho fora da Copa. Aliás, que JOGUINHO, América e Galo, mesmo com o juiz abusando no quesito SENSIBILIDADE, foi muito melhor tenicamente que esse clássico italiano.

  • 16. SERZEDELO  |  24/01/2010 às 19:35

    TEXTO

    CHATO

    DO

    CARAGLIO

  • 17. igor  |  24/01/2010 às 20:10

    tá, o rafael, agora tu vai ter que me explicar esses 5 a 0

  • 18. Lorenz  |  24/01/2010 às 20:24

    tá, o rafael, agora tu vai ter que me explicar esses 6 a 0

    EU ACREDITOOOOOO

    HERRERA FARÁ 7

  • 19. walter torresmo  |  24/01/2010 às 20:27

    ainda não joguei um ovo

  • 20. Lorenz  |  24/01/2010 às 20:36

    aspoifkasgpokaop

  • 21. rafael botafoguense  |  24/01/2010 às 20:50

    QUEIMEM ESTA QUARTA CAMISA!!!!!!!!

    INAUGURAR ESTÁTUA EM DIA DE JOGO NUNCA MAIS VÃO SE FUDER!!!!!!!!!!

    DEUS NÃO EXISTE!

    O PESADELO DE 2001 DE VOTLA VAI TOMA NOCU É MUITA BABAQUICE.OS BOTAFOGUENSES NÃO MERECEM ISSO! É MTA HUMILHAÇÃO CARA QEU MERDA TOMAR 3 GOLS DO DODO O MELHOR JOGADOR QUE VÍ NO BOTAFOGO DÓI DEMAIS SÉRIO.

  • 22. gilson  |  24/01/2010 às 21:53

    “DEUS NÃO EXISTE!”

    Mas você acreditava?

  • 23. Anônimo  |  24/01/2010 às 22:14

    e na BAND, AGORA esta dando HOMENS BRANCOS NAO SABEM ENTERRAR, filme que eu citei aqui alguns posts atras

  • 24. Rudi  |  24/01/2010 às 22:15

    e na band agora ta passando

    homens brancos nao sabem enterrar

    filme que eu falei alguns dias atras aqui

  • 25. Raphael Zarko  |  25/01/2010 às 00:03

    uma licença para poucas palavras em ritmo funk.

    DODÔ É O PODER, DODÔ É O PODER, ARTILHEIRO DA COLINA FAZ MAIS UM PRA GENTE VER (de novo!) DODÔ É O PODER, DODÔ É O PODER, ARTILHEIRO DA COLINA FAZ MAIS UM PRA GENTE VER

    pronto. acabei. boa noite!

  • 26. rafael botafoguense  |  25/01/2010 às 00:30

    pior que nem acreditava mesmo.

    zarko vai a merda.

  • 27. Dodô  |  25/01/2010 às 00:57

    Aquele abraço amigo Rafael.

    Dizem que vc ficou lindo de aparelho, uma pena ter faltado motivos para mostrar os dentes no jogo de ontem para eu poder ver.

  • 28. rafael botafoguense  |  25/01/2010 às 01:05

    dodô, tu é idolo brother e te respeito mais ainda por não ter feito otarices, que os jogadores fazem contra o ex-time só pra jogar pra galera…tu é foda cara!

    “Dizem que vc ficou lindo de aparelho”

    mas em que time tu joga?

  • 29. Raphael Zarko  |  25/01/2010 às 09:30

    isso é resquício da passagem dele pelo flu, RB.

  • 30. Alexandre N.  |  25/01/2010 às 09:45

    #28 e #29

    A única que passava pela minha cabeça enquanto assistia ao VAS x BOT era aquela imagem do desenho do Gênio Maluco, onde aparecia um maluco bigodudo segurando um guarda chuva fazendo a pergunta “O que está acontecendo?”.

  • 31. Matheus Caldas  |  25/01/2010 às 11:13

    “DODÔ É O PODER, DODÔ É O PODER, ARTILHEIRO DA COLINA FAZ MAIS UM PRA GENTE VER (de novo!) DODÔ É O PODER, DODÔ É O PODER, ARTILHEIRO DA COLINA FAZ MAIS UM PRA GENTE VER”

    Sem mais…

  • 32. Diogo  |  25/01/2010 às 11:30

    “De longe eu a vi entrando no ginásio, muito linda, os dentes brilhavam, pareciam artificiais.”

    A boa odontologia brasileira preza que dentes bonitos jamais devem parecer artificiais. Quanto mais natural o resultado, melhor.

    Nada mais estranho que uma boca de teclado, mas nesse mundo de botox, bronzeamento artificial e Grecyn 2000 Para Mulheres, tudo é válido na hora da chapeação.

    Aliás, na minha experiência pessoal, o recorde foi sete dentes fraturados nos gramados. O pior que o choque foi entre dois irmãos, e que jogavam no mesmo time – a vítima era o zagueiro e o algoz, goleiro, vulgo COTOVELO DE AÇO.

  • 33. Godo  |  25/01/2010 às 12:08

    Deveras bom, Dante.

    Mas não curti, não.

    (Hua)

  • 34. Lucas Cavalheiro  |  25/01/2010 às 20:07

    Dante > Alighieri (NS)

  • 35. Francisco Luz  |  26/01/2010 às 15:45

    Dante Coimbra ou Dante THEDY? Eis a questão.

    Zoeira, MIGUX.

  • 36. dante  |  14/02/2010 às 00:20

    soh agora tive tempo de acessar a internet aqui na JAMAICA e descobrir que ceconello publicou este texto.

    me chamar de david coimbra foi humilhante. prometo nunca mais escrever pro impedimento. (mentira)

    prestes, esse texto jah tinha sido publicado no NAO-TIL.

    col, conheci um julio no becker, mas nao sei se era DE CASTRO. ele morava quase em frente ao zaffari higienopolis e seu apelido era FOFAO. (huaaaa)

    obrigado pelo carinho dos FAS (essa porra de teclado nao tem til).

    VOLTAREMOS.

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