Meu ódio será sua herança

27/08/2009 at 12:01 23 comentários

Como um rio que deságua num mar negro e revolto, as gotas daquela chuva espessa percorriam as rugas sinuosas de seu rosto até se perderem na boca entreaberta e trêmula. Com as mãos enterradas no solo, aquele velho índio jazia no chão, sem encontrar no corpo calejado de oitenta anos de guerra contra os brancos forças para se levantar. Era o ano de 1909 e dali a poucos dias morreria Gerônimo, o mais temido Apache das terras hoje conhecidas como Estados Unidos da América.

Alguns anos antes, após décadas de resistência, ao ver sua própria gente com uniforme policial, compreendeu que não havia mais esperança e, baixando o rifle, admitiu entregar-se às autoridades brancas. “Eu me rendo. Antigamente eu era livre como o vento. Agora entrego-me a vocês e isso é tudo” foram suas últimas palavras.

Geronimo4

Gerônimo foi o símbolo de uma luta gloriosa mas vã, porque fadada desde o início ao fracasso. Ele, Cochise, Whoa, Naiche e tantos outros peles-vermelhas perderam a guerra contra o Progresso.

Passados cem anos, outros peles-vermelhas, amarelas, pretas, verdes, azuis, brancas e tricolores nos preparamos para mais um vão combate.

“Futebol tem que ser negócio, ou não funciona” bradam aos ventos dirigentes e empresários. “O que se pode fazer, é o progresso” respondem cabisbaixos os resignados.

Pois eu lhes digo que assim como os índios reverenciam a natureza, e ao invés de subjugá-la e subvertê-la, se oferecem ao convívio e encontram a salvação nesta entrega, nós também reverenciamos o futebol. E nos entregamos a cada partida, gritando, esperneando e chorando, sem exigir nada em troca, a não ser o êxtase do gol, esse momento pleno e efêmero de gozo coletivo.

Foi em busca deste êxtase que nossos antepassados criaram nossos times. Somos Clube de Regatas Brasil, Ferroviário Atlético Clube, Sampaio Correa Futebol Cube, Esporte Clube Cruzeiro de Porto Alegre, Paysandu Sport Club, Santa Cruz Futebol Clube, Criciúma Esporte Clube e tantos outros que há anos vendemos caro a derrota ao Progresso travestido de Futebol Negócio.

Muitos de nós morreremos. Outros poucos sobreviverão. Mas mesmos estes não serão os mesmos, pois não mais “livres como o vento”. Estarão presos a desodorantes, sabões em pó, laticínios, bancos, carros importados, óleos lubrificantes e tudo aquilo que pagar bem.

Mas antes da capitulação final, gostaríamos de perguntar a vocês que ficam o que está sendo destruído nessa ânsia enlouquecida por patrocínios, investimentos e verbas de transmissão. E se, neste processo, estamos esquecendo – ou já esquecemos – o que significa o futebol.

Pois da lama em que estamos, junto com o velho Gerônimo, podemos afirmar que é impossível erigir uma ordem duradoura sobre pilhas de coisas que tiveram de ser destruídas para que ela fosse construída – coisas como homens, animais, terra… e times de futebol.

Thalles Gomes

Entry filed under: Clubes, Contribuições, Pela América.

Já é tempo de tosquia Celeiro de Ases

23 Comentários Add your own

  • 1. Francisco Luz  |  27/08/2009 às 12:19

    Pobre Progresso Futebol Clube de Pelotas, tão vilipendiado.

    Brincadeira, Thalles. Belíssimo texto, só para ser diferente.

  • 2. Cassol  |  27/08/2009 às 13:43

    Há um grande filme de faroeste sobre o Gerônimo.

    Meu pai pegava só “filme de tiro”, essa foi o entretenimento que recebi na infância.

  • 3. Lobo  |  27/08/2009 às 14:08

    Progresso que revelou Émerson, Daniel Carvalho, Taison entre outros…

  • 4. vicente  |  27/08/2009 às 14:20

    meu ódio será sua herança >>> THE WILD BUNCH

    PECKINPAH RULES!!

  • 5. Luiz H.  |  27/08/2009 às 14:21

    “O Futebol está morto”
    CHUPA Nietzsche!!!

  • 6. Junior  |  27/08/2009 às 16:11

    O Felipe Catarina pode me corrigir, mas o time do futebol romântico de Criciúma era o Próspera, time dos trabalhadores das minas de carvão e dos torcedores mais pobres. O Criciúma já é cria do futebol moderno. Antes era Comerciário, mas virou Criciúma nos nos 70 para unir a cidade, atrair patrocinadores, etc.

    No mais, mais um excelente texto, Thalles.
    Cassol #2, nos anos 90 também fizeram um filme sobre o Gerônimo. Lembro disso porque o Inter foi eliminado pelo Ceará em 1994, na Copa do Brasil. No dia seguinte, meus colegas gremistas “flautearam” se eu tinha visto Gerônimo (jogador daquele time do Ceará) à noite, numa sessão especial para colorados.

  • 7. Daniel Cassol  |  27/08/2009 às 16:17

    El Ogro Fabbiani casou.

    Se é verdade que todo cara que casa fica gordo, imagina o que vai acontecer com ele!

    http://www.ole.clarin.com/notas/2009/08/27/futbollocal/01986716.html

  • 8. Jader Anderson  |  27/08/2009 às 17:01

    Bravo!

  • 9. Diogo  |  27/08/2009 às 17:12

  • 10. arbo  |  27/08/2009 às 18:06

    mto bom, thalles.
    e é isso. aquele teu outro texto (o primeiro?) do lance de uma pelada visto pela janela do ônibus DIALOGA com este acima, na minha cabeça. colocaram o futebol pra periferia, como fizeram com os poucos índios q esqueceram vivos.

    contudo, não morrerá. um convalescente fabrica bolas de meia. uma criança se apaixona.

  • 11. thalles gomes  |  27/08/2009 às 18:12

    #6
    junior, esse gerônimo que te atasanou em 94, foi o mesmo que me encheu de alegrias aos ser artilheiro e campeão estadual pelo CRB em 95.
    eu coloquei o criciúma, porque aquele uniforme amarelo e prEto sempre habitou meu imaginário pebolístico (CRUZ, F.)

    #4
    vicente, sam peckinpah é o gênio maldito do faroeste. os tradutores brasileiros costumam fazer muita merda, mas MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA é de longe a melhor tradução de todos os tempos. peckinpah tem outro muito bom: TRAGA-ME A CABEÇA DE ALFREDO GARCIA

    #2
    cassol, pra mim o TOP 5 FAROESTE é:

    MEU ÓDIO SERA SUA HERANÇA
    ERA UMA VEZ NO OESTE
    OS BRUTOS TAMBÉM AMAM
    CONSCIÊNCIAS MORTAS
    POR UM PUNHADO DE DÓLARES

  • 12. Felipe (o catarina)  |  27/08/2009 às 18:43

    #6

    Junior, pelo que sei, tens razão. O Criciúma era o antigo Comerciário, que era considerado o time da elite de Criciúma. Só mudou pra Criciúma em 1978 (é o mesmo clube, com nome diferente) e só adotou esse uniforme característico em 1984. A propósito, desde a fundação o Comerciário/Criciúma jogava de azul e branco (mesmo depois de ter virado Criciúma). E se vocês não sabem, informo que o Comerciário foi o time que revelou Valdomiro Vaz Franco, campeão catarinense em 1968.

    O grande rival do Comerciário na década de 1960 era o Metropol, da Carbonífera Metropolitana, que foi cinco vezes campeão estadual naquela década e o primeiro time catarinense a derrotar gaúchos e paranaenses na Taça Brasil. Só foi eliminado nas quartas-de-final porque houve uma maracutaia para beneficiar o Botafogo – cancelaram o jogo entre os dois times no RJ, depois remarcaram para o dia seguinte, enquanto o Metropol estava voltando pra SC e não teria tempo de retornar ao Ridijanero, por isso “perdeu” por WO. Mas o Metropol durou pouco tempo, uns 10 anos só. Acabou em 1969, porque as duas famílias que mantinham o time (Freitas e Gugliemi, acho) romperam relações.

    E o Próspera me parece sempre foi o priminho pobre. O máximo que conseguiu foi um vice estadual (1971, acho). Não sei até que ponto ele foi popular em Criciúma ou se foi sempre uma espécia de “Portuguesa criciumense” (inclusive o uniforme é rubro-verde), pois foi assim que o conheci. Hoje sei que tem pouquíssima torcida própria. O que acontece é que quando o Próspera joga até os torcedores do Tigre torcem por ele – no último Próspera x Avaí em Criciúma, há uns 3 anos, tinha cara com a camisa do Criciúma na torcida deles.

    O Próspera existe até hoje, tá jogando a segunda divisão catarinense e levando goleada de todo mundo. Tá perto de completar um ano sem ganhar EM CASA, segundo li esses dias. E, vejam só, o apelido do Próspera é “o time da raça”, assim como o Avaí. Bastante simpático.

  • 14. Franciel  |  27/08/2009 às 19:35

    Thalles,
    aqui na Bahia há um amarelo e preto que é impressionante, o Ypiranga.
    Conhecido como o mais querido é, realmente, o mais querido. Não há ninguém que não tenha devoção ou simpatia ou pena do velho ypiranguinha, meu amarelo e preto , meu time do peito, meu velho Ypiranga, o povo foi quem te criou consagrou , clube do nosso amor….

  • 15. Anônimo  |  27/08/2009 às 20:20

    3 Homens em Conflito (The Good, The Bad and the Ugly).

  • 16. Prestes  |  27/08/2009 às 21:44

    O Ypiranga é o time do Jorge Amado, não??

    Todo escritor torce ou finge que torce prum time desses. Aqui em Poa tem uma meia dúzia que diz que é do Cruzeiro.

    E a Zélia Gattai diz que torcia pro LEÔNICO. Melhor time.

  • 17. Felipe (o catarina)  |  27/08/2009 às 22:48

    Da Wikipédia:

    “O Esporte Clube Próspera foi fundado em 29 de março de 1946, por trabalhadores da Mina Carbonífera Próspera de Criciúma. A idéia de formar um time de futebol para participar dos Campeonatos Regionais da Região Carbonífera, mais especificamente o da LARM – Liga Atlética da Região Mineira -, surgiu do mineiro Helói Rodrigues dos Santos, popular Léle, depois goleiro do clube. Seu Edi Tasca, que na época era secretário da carbonífera e depois vestiu a camisa do time, foi quem rascunhou a ata de fundação do Esporte Clube Próspera.”

    Só por aí dá pra imaginar que realmente o Próspera era muito mais povão que o Comerciário, o time dos bacanas.

  • 18. Frank  |  27/08/2009 às 23:33

    Belo texto, como sempre são os textos do Thalles…
    Muito apropriada a comparação com Gerônimo e os povos indígenas… os velhos tempos do futebol quase certamente não sobreviverão…
    Se bem que aí do lado direito do Impedimento vi uma notícia de um DVD chamado “Juventus rumo a Tóquio”, do Futebol Alternativo… para mim, seria uma prova de que o “romantismo” ainda persiste no futebol…
    Sobre os filmes de faroeste, prefiro o Fort Apache, do John Ford… acho que foi um dos primeiros que mostrou um pouco uma visão mais simpática à causa dos indígenas…

  • 19. vicente  |  28/08/2009 às 03:07

    #11

    eu curto também “a balada de cable hogue”. na real, tirando o “parceiros da morte” que o estúdio fodeu com a montagem, o peckinpah manda muito.

    tu sabia que, naquela cena inicial que o charles bronson mata os três encapotados na estação de trem no começo do “era uma vez no oeste”, a idéia do leone era dos três defuntos serem o clint, o van cleef e o “feio”(sou horrível com nomes italianos). ia ser muito foda, depois de toda a trilogia dos dólares um filme começar com os três MORRENDO.

    top 5:

    SANGUE DE HERÓI – FORT APACHE
    MEU ÓDIO SERÁ SUA HERANÇA
    OS IMPERDOÁVEIS
    ERA UMA VEZ NO OESTE
    O HOMEM QUE MATOU O FACÍNORA

    menção honrosa: TRILOGIA DOS RIOS (red river, rio bravo, rio lobo)

  • 20. Guilherme  |  28/08/2009 às 07:01

    Sem querer reiniciar discussão vencida mas, os pontos corridos só favorecem o futebol empresa, competência e a falta de sangue…

  • 21. Felipe (o canoense)  |  28/08/2009 às 09:13

    Espetáculo de texto! Parabéns cara.

    E cada dia é mais triste pro “homem que gosta de futebol”. Eu vejo meus primos de 12 anos de idade jogando bola, e é tudo muito certo…

    Assim como é difícil explicar O QUE É FUTEBOL, é muito difícil explicar o que está acontecendo com o esporte… E daqui alguns (poucos) anos seremos velhos e ninguém vai ouvir nossas histórias ridículas sobre o jogo de bola…

  • 22. thalles gomes  |  28/08/2009 às 09:29

    #19

    Imagine o Gaita matando o Clint!

    MENÇÃO HONROSA tambem para o PRIMEIRO SERIADO DO ZORRO, de, sei lá, mil novecentos e lá vai fumaça.
    SARGENTO GARCIA era o SEU MADRUGA do VELHO OESTE!

    # 20

    Guiherme, minha humilde opinião é que, independente de pontos corridos ou mata-mata, o grande problema é a ESCASSEZ de jogos. O Avaí do Catarina é o grande exemplo desse ano do que uma boa sequência de jogos pode fazer a um time. Se o CRB tivésse a possibilidade de jogar mais que míseros oito joguinhos no Brasileiro, poderíamos consertar os erros e formar um time com alguma identidade. E olhe que estou falando daqueles que, pelo menos, ainda tem oito joguinhos pra se contentar. A imensa maioria já fechou as portas no meio do ano.

  • 23. vicente  |  28/08/2009 às 10:12

    porra, a única pessoa vez que eu lembro que mataram o clint num filme foi no GRAN TORINO e só porque é a despedida dele como ator.

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