São Domingues

A verdade que salva e liberta tem que ser dita. E eu a direi logo no primeiro parágrafo. Afinal, a missão do cristão ortodoxo é levar (lá ele!) as palavras da fé aos incréus com a máxima urgência. Portanto, hereges, dirijam-se imediatamente ao genuflexório para ouvir o que está escrito em Gênesis, capítulo 07; versículo 2009. Eis: “No princípio, existiam trevas sobre a face do abismo e sobre o Ludopédio de Pindorama, mas neste Brasileirão fez-se a luz quando entrou em campo o menino Leandro Domingues. E, assim, houve a separação entre o bom e o mau futebol”.

Ô, grória.

A princípio, pensei em recorrer apenas ao meu surrado verbo para explicar as façanhas do maior craque deste campeonato. Porém, faltaram-me as hipérboles e as parábolas. E, ademais, para dar a real dimensão do que vem ocorrendo no Parque Sócio Ambiental, Santuário Ecológico Manoel Barradas, o Monumental Barradão, só apelando à autoridade bíblica. Não há outro caminho – até porque o que este rapaz tem feito nas quatro linhas é algo completamente sobrenatural. Se, com cinco pães e dois peixes Cristo matou a fome da multidão, Leandro Domingues não deixa por menos: quando pega na bola, transforma cada metro do campo em um latifúndio – um dos poucos produtivos no Brasil atual.

Inclusive, no último domingo, do nada, ele operou alguns milagres inacreditáveis na murrinhenta partida contra o Coritiba.

O ponteiro do relógio marcava 19 minutos e 25 segundos da etapa complementar quando São Domingues, seguindo o conselho de Jesus, amaciou a criança no peito com a mansidão e calma dos santos e desferiu um petardo em direção ao gol com a mesma ira com que o Onipotente havia expulsado os vendilhões do templo. Resultado: os fiéis rubro-negros, que já queriam se entregar às satânicas tentações das vaias, ressuscitaram. E passaram a entoar o nome do seu santo sem cessar.

Porém, achando que a beatificação era pouco, alguns minutos depois ele foi para o outro lado da força. Com a destreza dos possuídos pelo demônio, arrancou da intermediária, driblou um, dois, seis, 29 adversários, virou a cara com o desprezo dos encapetados e meteu a menina para Bida. Este, talvez por vergonha, preferiu nem chutar para o gol.

Putaquepariu a mulher do padre!

E nem vou relatar o que Leandro já aprontou nas outras partidas porque não é tarefa para um homem só. Para tratar das proezas do referido, seriam necessários, pelo menos, quatro Jorges Amado e 86 apóstolos. E estes estão mais em falta no mercado do que jogadores com categoria. No entanto, para que vocês não fiquem na escuridão, informo que até a comedida população do Norte e Nordeste de Amaralina abandonou o tradicional brado de “UMBORA TRI-TÓ-RIA, CARAJO” e saiu em passeata repetindo a homilia do profeta Paulo Cesar Carpegiani:

“Um time que quer (e vai) ser campeão brasileiro tem que ter um santo excepcional em seu elenco”.

Palavras da salvação.

P.S. 1 “Ah, sêo Françuel, mas é que meu pé tá doendo; ai, ai, doutor; é que meu pai mora no interior, é porque o Vitória não jogou tão bem contra o Coritiba; caô, caô, é porque eu pensei…”

Rebain de miséra, seguinte é este: nem venha com seus peitos moles dizendo que é moça. Se você tem vocação para infelicidade, favor vestir uma camisa listrada e tricolorida, acompanhar o torneio de acesso às terças à noite e botar Born to cry na vitrola.

Aqui, na Primeirona, não há lugar para lamentos. O plantão é rigoroso, sopa de tamanco. Pau puro.

P.S. 2 Numa prova de que jornalista, essa raça de gente ruim, sabe porra de nada de futebol, a Bola de Prata da Revista Placar colocou São Domingues empatado com o Gordo Viúvo. Sim, aquele mesmo que não consegue nem se manter em pé e que anda de luto com a morte da travesti Andréa Albertini, a Evita Perón alvinegra (royalties para Claudio Leal).

Hômi, quá; sinhô, me deixe!

Franciel Cruz