Confesso que sequei — a seleção brasileira

Nunca fui um ENXUGADOR muito interessado e eficiente, talvez por ser um colorado nascido na gloriosa década de 70 mas inevitavelmente humilhado nas duas décadas seguintes, quando secar o principal adversário era uma atividade, além de INSALUBRE, inútil. Além disso, o DESDÉM sempre me pareceu muito mais digno do que o resoluto desejo pela desgraça alheia — cuja energia negativa, todos sabem, DÁ CÂNCER. Dito isso, fica evidente que esta análise é muito mais CIRCUNSTANCIAL do que uma secação legítima [é claro que alguma simpatia pelo adversário também ajuda]. Assim, passo a abordar uma arte que pode ser considerada um sacrilégio para um torcedor estrangeiro que não conheça o Galvão Bueno: secar a seleção da CBF, também conhecida como “brasileira”.

Meus primeiros passos nesse desprezo vêm da adolescência, quando deixei de ser tão bobo [mentira] e comecei a me esforçar para encontrar a resposta a um questionamento aparentemente SIMPLÓRIO: por que, afinal, eu TENHO QUE torcer para a seleção brasileira [percebam que as iniciais minúsculas são propositais]? Não é como ter escolhido torcer para um time por causa da admiração pelo pai, por uma questão pessoal de fundo político, social ou religioso, por conta de um fascínio pelas cores da bandeira, pela empolgação da torcida na primeira visita ao estádio, sequer por causa de um tio sem-vergonha que sorrateiramente presenteia o sobrinho com uma camiseta do ÍBIS. Não. Se geografia é destino, como disse o famoso [?] biólogo Jared Diamond, torcer para a seleção do país natal também deveria ser.

O problema — TODO o problema — é que eu nunca acreditei no destino; pra ser mais exato, eu sempre fui CONTRA o destino, venha ele em forma de doença, resultado do RESTA-UM ou sucesso econômico [“Curioso: quanto mais eu trabalho, mais o destino me favorece”, me disse ironicamente um PRÓSPERO conhecido]. E aí não tem Romário que me salve.

1. Nigéria 4 x 3 Brasil — Semifinal dos Jogos Olímpicos de Atlanta [EUA, 1996]

Lembro vagamente de ter sido um bom jogo — mas, ao assistir hoje os melhores momentos, confirmo: foi um jogaço, com direito a defesa de pênalti de Dida, gol contra de Roberto Carlos [sempre encarregado da FIASQUEIRA em campo], gol justamente anulado de Juninho Paulista [aquele], dois gols de Kanu [o golaço convertido na BEIRADA do cronômetro e outro, aos ‘4 da prorrogação, que encerrou o SONHO DOURADO brasileiro] e, bem, a continuação de uma de nossas toucas africanas. A questão toda é que o Brasil já tinha o jogo ganho [3 x 1 aos ’30 do segundo tempo], bastando apenas ter um pouco de CANCHA & CATIMBA [boa dupla de volantes] pra manter o resultado. Mas quem estava em campo era a GINGA brasileira, um péssimo centroavante, e então foi fácil me emocionar com a indignação do time nigeriano e simpatizar por um desfecho trágico aos brasileiros.

2. França 1 x 0 Brasil — Quartas-de-final da Copa do Mundo da Alemanha [2006]

A França, outra touca, Roberto Carlos, o mesmo mané [aquele que usava “um apartamento no pulso”, em referência ao valor de um relógio que tinha acabado de comprar]. Acredito que esta partida seja hors-concours, ainda que a maioria das pessoas só tenha admitido que a seleção brasileira merecia perder alguns MILÉSIMOS depois do fato consumado. Vi este jogo numa casa com ampla maioria de mulheres, o que tornava tudo mais interessante [não é isso, bobinho]: é que o circo armado pelo CONSÓRCIO Nike/CBF para as apresentações brasileiras naquela Copa combinava perfeitamente com os gritinhos agudos das torcedoras em volta. Tudo era festa, tudo era lindo, tudo era GOSTOSO, e enquanto isso eu fazia o papel de VILÃO pensando que o contrário dessa alegria toda sempre é muito mais EMBLEMÁTICO. No jogo, as ações foram unicamente da França, que escapou de arrasar o SCRATCH AMARELADO depois que o juiz não marcou um penal na mão boba de um fulano brasileiro que estava na barreira, dentro da área. Após o gol de Henry, em boa cobrança de falta de Zidane, aos torcedores presentes no estádio — que no início do jogo mandavam o francês tomar na CLOACA — só restou cantarolar o mesmo ao técnico brasileiro: “Ei, Parreira, vai tomar no SUL”.

3. Gana 0 x 3 Brasil — Oitavas-de-final da Copa do Mundo da Alemanha [2006]

É significativo que esta Copa tenha mais de um jogo descrito aqui, vide o PICADEIRO armado pela CBF: assessores, investidores, procuradores e outras dores circulavam livremente pelas áreas de hotéis e CTs reservadas aos atletas, PROMISCUINDO ainda mais as relações financeiras das estruturas do futebol brasileiro [comunista mode on]. Assisti este jogo em um ambiente HOSTIL [um evento em um hotel na Serra Gaúcha — CAVACOS do meu ofício], com um CORNO de chapéu verde-amarelo [aqueles de bobo da corte, cheio de GUIZOS] ao meu lado soprando uma vuvuzela. Não é preciso dizer que implorei aos céus pra que aquele sujeito morresse instantaneamente de SÍFILIS — e também pro Brasil perder [menos, confesso, no gol de Zé Roberto, um dos poucos atletas brasileiros que manteve a dignidade naquela Copa]. Como homenagem, incluo aqui apenas o gol dele que, se vocês prestarem bem atenção, no último momento REFUGA em dar de letra pro fundo das redes. RESPECT, NEGÃO.

4. Camarões 2 x 1 Brasil — Quartas-de-final dos Jogos Olímpicos de Sydney [Austrália, 2000]

Camarões desde sempre contou com minha simpatia única e exclusivamente pela ESTAMPA do goleiro Thomas N’Kono, que já não jogava mais em 2000, mas que marcou uma grande presença nas Copas de 82 e 90 [em 94 ele seria o terceiro goleiro da seleção camaronesa]. Aliás, peço uma rápida licença para DIVAGAR, pois algumas histórias de N’Kono são sensacionais: além de ter sido detido pela polícia quando entrava em campo como treinador de goleiros da seleção do seu país, na Copa das Nações Africanas de 2002, em Mali, acusado de MAGIA NEGRA [melhor acusação], consta que o filho do goleiro italiano Buffon recebeu o nome Thomas em sua homenagem. Não é pouca merda. Voltando à partida, os Leões Indomáveis vinham com sede de vingança após terem sido atropelados pelo Brasil na Copa de 94 [3 x 0 na fase de grupos]. E ela aconteceu: já aos ’15, Camarões saía na frente. O empate brasileiro veio em cobrança de falta de Ronaldinho, nos acréscimos do segundo tempo, quando o boi já se ia com as corda tudo. Mas, na prorrogação, não teve choro, nem vela, nem fita amarela: MBAMI marcou o gol de ouro e encerrou a participação do Brasil naquela Olimpíada. Como se não bastasse, àquela altura Camarões estava com apenas 9 jogadores em campo. Pois é. EM NÃO ACHANDO o vídeo deste jogo, fiquem com este, sem nenhum sentido, mas altamente recomendado: a melhor TROMBADA das Copas de todos os tempos, entre Caniggia e o camaronês Benjamin Massing. É sensacional.

5. TODAS AS PARTIDAS — Mundial sub-20 [Emirados Árabes, 2003]

Sempre fingi que desejava a desgraça da seleção brasileira da mesma forma que um ADICTO explica seu vício no LOLÓ, nos cavalos, no pôquer ou na heroína: “tudo começou como uma brincadeira”. Mas aqui a coisa ficou séria, mesmo sendo a seleção brasileira sub-20 [ou talvez isso tenha piorado a questão]. É que, desta vez, meu MENOSCABO com a CBF continha um fundamento, um propósito, uma razão: a convocação desgraçada de Nilmar e Daniel Carvalho, EXPOENTES da equipe colorada que vinha fazendo um bom papel no Campeonato Brasileiro de 2003 [acabamos em 6º, a primeira colocação a NÃO garantir presença na Libertadores de 2004]. É claro que eu não podia acompanhar os jogos pela TV [nem sei se foram transmitidos, na verdade], mas ficava esperando que o Brasil perdesse tudo o mais rápido possível e os dois pudessem voltar. Não deu, tanto a SECAGEM [Espanha 0 x 1 Brasil na final] quanto a vaga à Libertadores. Ficou a HIDROFOBIA, junto com este trecho obscuro de uma notícia do Terra: “Com estrelas como Nilmar, Dagoberto e Daniel Carvalho, o Brasil chegou ao tetracampeonato do Mundial Sub-20. Diego e Robinho também poderiam ser utilizados na competição, mas ficaram fora por estarem disputando competições pelo Santos”. TÁ BOM, então.

Há muitos outros jogos que poderiam ser secados, a começar pela última competição na qual a seleção esteve presente [a Copa das Confederações da África do Sul, quando Nilmar NOVAMENTE desfalcou o Inter], mas não haveria CAPS LOCK suficiente.

Correndo livre pela ponta,
Dante Sasso.

[os links deste texto são uma homenagem a Daniel Cassol]