O mal impuro

Até a bestialidade e o irracional foram corrompidos no futebol. Hoje as torcidas não são formadas para torcer e, na verdade, nem para brigar – o que elas querem mesmo são cadeiras no CONSELHO dos clubes, ou seja, força política, lucros e poder de decisão. E, como já disse o POETA Humberto Gessinger, “toda forma de poder é uma forma de morrer por nada”.

Num desses dias soube que um torcedor inglês foi preso na porta do estádio, em Glasgow, quando a Argentina enfrentou a Escócia. Era a estréia de Maradona como técnico da albiceleste. O cidadão, que saiu de Middlesbrough para a empreitada, queria entrar na ARENA com um FACÃO. Tinha o singelo desejo de DECAPITAR o astro argentino.

De início, cheguei a ficar sensibilizado. O pobre torcedor inglês certamente tivera sua vida atravessada pelos dois gols que Maradona marcou contra os ingleses na Copa de 86, eliminando-os do torneio. Além de ser louco de pedra, em parte ele era vítima de uma dessas maravilhas que o futebol nos proporciona.

O outro lado da maravilha, vale lembrar, é a tragédia ou, no mínimo, a tristeza profunda e permanente. Uma ruptura no estado de espírito soberbo e preparado para a felicidade e o arremesso violento no ALÇAPÃO medonho onde se escondem os medos mais pungentes e os traumas mais infernais. Remember Maracanazo, Grenal do Século, Olimpia, Cabanãs, Carlos Simon e tantos outros monstros que até hoje tememos saírem do armário aos 48 do segundo tempo. Provavelmente nos últimos vinte e poucos anos Ian Wellworth teria ficado com aqueles dois gols trancados na garganta, amargando a humilhação de sua nação e a corneta suprema da mão de Dios. E não adiantava nem seus amigos dizerem que ao menos tinham as Malvinas.

Seria como se eu, aqui no outro hemisfério, decidisse que num belo dia queria muito matar BOBÔ, aquele destruidor de sonhos infantis. Ou se algum jovem colorado, daqui uns anos, resolver sair com uma BIGORNA atrás de PEDRO JÚNIOR. Ou se um gremista tentar enforcar GABIRU com o cadarço de seu sapato. Ou se um botafoguense armar um plano para esganar o DESTINO.

O caso inglês seria um roteiro perfeito. Acontece que o DINHEIRO nunca perdoa. Na verdade, o lunático inglês queria arrancar a cabeça de Maradona porque havia apostado tudo que tinha – 500 libras, parece – que a Inglaterra venceria aquela partida. Assim como SHILTON, ele faliu. E ainda foi abandonado pela esposa. Tudo, óbvio, por culpa de Maradona, aquele baixinho safado e desordeiro e FUNGADOR.

Hoje nem a vilania está protegida da voraz transformação do futebol em negócio. Daqui a uns dois anos é bem provável que as brigas entre as torcidas sejam patrocinadas por empresas de segurança.

Saudações,
Douglas Ceconello.