O sentido da vida e a Série C
13/10/2008 at 16:03 Daniel Cassol 44 comentários
Hoje em dia muitas coisas andam fazendo cem anos. Com o Esporte Clubes Pelotas aconteceu no último sábado. Ano que vem, será a vez do improvável Castelo de Pedras Altas. O meu avô também está quase lá.
No final de semana, a crise financeira e as romarias de Nossa Senhora Aparecida não me encontraram, porque eu estava perdido na Zona Sul do Rio Grande do Sul, epicentro da calmaria mundial. E no meio de tanta coisa centenária, naquelas horas em que não estive ocupado com um naco de costela, me dediquei a pensar na vida. Sem maior método.
A maioria não percebe ou não admite. Mas quando estamos amarrando os tênis, esperando o ônibus ou engolindo a suculência de um bife num restaurante da Rua da Praia, o que ocupa o setor mais obscuro do nosso gaveteiro mental é entender o que diabos estamos fazendo aqui nesta vida. Aflitos como diante de um cardápio farto e um garçom apressado, tentamos encontrar algo que dê sentido à existência e permita alargar nossa presença na terra mesmo depois da morte.
O Assis Brasil. O Assis Brasil, já muito rico e importante na política, decidiu que não só iria se revoltar contra o Borges de Medeiros, mas construir um castelo no meio do nada, nas redondezas do fim do mundo, onde sua amada não sentisse saudades da Europa e ele pudesse projetar o progresso e disparar contra uma maçã posicionada sobre cabeça de Santos Dumont. E, ao construir o castelo, viveria mais uns séculos, pelo trabalho de seus descendentes.
Meu avô já não tem tanta ambição. Eu sou um homem de noventa e vários anos, costuma repetir sempre que alguém o manda parar de comer bala ou tomar pelo menos um banho antes que chegue o verão. Tudo o que ele quer da vida é cortar todas as lenhas do mundo, tomar seu copo de vinho guardado dentro de um armário e deitar cedo para ouvir os ruídos do rádio os quais ele convencionou chamar de “a notícia”. E vive bem.
Na razão de viver de Assis Brasil, quase a razão de morrer de Santos Dumont.
Na noite de sábado, em jornada pelo Bento Freitas, entendi que a razão de viver dos torcedores xavantes é não só amar, mas odiar profundamente o Grêmio Esportivo Brasil.
Em campo, o Xavante recebia o Atlético-GO na noite em que o Pelotas completava cem anos. Antes da partida começar, fomos brindados com um espetáculo de fogos de artifício direto da Boca do Lobo, onde os aureocerúleos recém haviam batido a equipe B do Internacional pela Copa Lupi Martins.
Bastou a bola começar a rolar para que os xavantes demonstrassem que não formam apenas uma das torcidas mais fanáticas do Estado: a corneta também é uma especialidade da casa.
Desfalcado do promissor atacante Lucas, que não joga mais este ano, num arremedo de 3-5-2 que deixava o meio campo vazio e diante de um adversário fraco, mas fechado na defesa, o Brasil era mais ímpeto que ordem. E, posto que o gol não vinha, a torcida começou a chiar.
Nem mesmo Cláudio Milar escapou. Não pensem que foi apenas vaiado: foi chamado até mesmo de “vaca atolada” por um senhor do meu lado. O Milar tá na pedra, dizia uma senhora atrás de mim, portando um chapéu de bruxa com o escudo xavante. Sharlei, então, não podia fazer menção de correr para a bola. E o goleiro Flávio era hostilizado até nas cobranças de tiro-de-meta.
O nervosismo na arquibancada era agravado pela presença de Jefferson Schmidt, árbitro da partida. Invertendo faltas e atrapalhando-se de uma forma geral, o juiz teve medo de dar segundo cartão amarelo para um atleticano, para logo depois resolver ser rígido, amarelando Marcelo Moscatelli pela segunda vez e deixando o Brasil com um jogador a menos. O treinador Itamar Schulle não suportou. Sua pressão subiu e ele teve de ser atendido pelos paramédicos e por uma mãe-de-santo.
A vaia recebida pelo árbitro na ida para o vestiário deve ter abalado seu estado de espírito. Na volta, e até comentei com meu tio, os xavantes poderiam bater nos goianos pelo resto da noite que o juiz, com medo, nada marcaria. Foi o que aconteceu.
O Brasil poderia ter perdido mais um atleta por expulsão mas, independente disso, foi para cima desde o início no segundo tempo. Mesmo com um a menos e exceção feita a alguns atletas mais esgualepados, era impressionante a correria xavante. O gol salvador veio com Sharlei, após cobrança de lateral. O atacante claramente dominou a bola com o braço e chutou para as redes, mas o juiz neste momento estava ajeitando o barbante do calção. Como a Baixada veio abaixo, ele apitou o centro do gramado.
A segunda vitória do Brasil, em três jogos, põe o time na vice-liderança do octogonal. E o otimismo com uma possível subida à Série B fez com que os xavantes encontrassem, na noite do centenário do Pelotas, um novo sentido para as suas rubro-negras existências, pelo menos até o final do ano: eu acredito, cantavam, depois de muito cornetear, enquanto eu tomava meu rumo pela rua Princesa Isabel. Outra que encontrou sentido para a vida. Só num canetaço.
Um abraço,
Daniel Cassol
Fotos: blog Futebol Pelotense e site dos Assis Brasil.
Entry filed under: Brasileiro, Colunas.
1. Tiago Medina | 13/10/2008 às 16:18
Dá-lhe Brasil!!!
2. Leo Ponso | 13/10/2008 às 16:26
“Todas as lenhas do mundo”.
Morreram-me.
3. JG | 13/10/2008 às 16:31
“entendi que a razão de viver dos torcedores xavantes é não só amar, mas odiar profundamente o Grêmio Esportivo Brasil”.
…….maravilha!!!!
4. Prestes | 13/10/2008 às 16:33
deitar cedo para ouvir os ruídos do rádio os quais ele convencionou chamar de “a notícia”.
Sensacional.
5. Patrick | 13/10/2008 às 16:39
Sensacional.
Tudo.
6. Álisson | 13/10/2008 às 16:41
“Princesa Isabel. Outra que encontrou sentido para a vida. Só num canetaço”.
Bah, que do caraleo!
7. Thomasi | 13/10/2008 às 16:55
Bah esse texto foi incrível!!!
Pena que foi sobre o Brasil. Odeio este time!
(Sim, sou do torço pro Caxias e sou um frustrado!)
8. Thomasi | 13/10/2008 às 16:58
A prova da minha frustração é o erro medonho na concordância… ou isso é só uma desculpa esfarrapada… e é!
9. Lila | 13/10/2008 às 17:02
Tremendo texto, Cassol…
10. Carlos | 13/10/2008 às 17:04
Pouco público na baixada. De novo. Lamentável.
11. Paul | 13/10/2008 às 17:04
Báh.
12. Gabriel | 13/10/2008 às 17:06
sensacional o texto.
vocês são os melhores cronistas esportivos.
todos os outros blogs ficam patéticos perto do impedimento.
13. Paul | 13/10/2008 às 17:10
Não me restou alternativa a não ser confirmar minha presença na IMPEDIGOL desta quinta para poder te apertar a mão.
14. Francisco Luz | 13/10/2008 às 17:13
Manja muito esse Cassol, heinhô…
15. arbo | 13/10/2008 às 17:25
“A maioria não percebe ou não admite. Mas quando estamos amarrando os tênis, esperando o ônibus ou engolindo a suculência de um bife num restaurante da Rua da Praia, o que ocupa o setor mais obscuro do nosso gaveteiro mental é entender o que diabos estamos fazendo aqui nesta vida. ”
isso mais tudo.
16. Ismael | 13/10/2008 às 17:53
Altíssimo nível! Cassol espetacular!
17. fino | 13/10/2008 às 18:20
lerei na baia.
18. Luís Felipe | 13/10/2008 às 22:20
muito bom mesmo, parabéns.
19. fino | 13/10/2008 às 22:56
lido e aprovado.
20. Almir | 13/10/2008 às 22:59
Muito bom.
Agora dão licença que eu vou ali me internar:
http://globoesporte.globo.com/Esportes/Noticias/Times/Selecao_Brasileira/0,,MUL797487-15071,00-FOTOS+AS+PRIMEIRAS+IMAGENS+DA+HOMENAGEM+A+ROBINHO+NO+MARACANA.html
21. Thomasi | 13/10/2008 às 23:12
Queria ver ele quebrando as duas pernas ao dar esse maldito drible!
22. Anônimo | 14/10/2008 às 08:51
ridículo, como se ele tivesse inventado alguma coisa… 500 jogadores fazem isso sempre… denílson sempre fez isso
23. dante | 14/10/2008 às 08:51
almir CONSPURCOU o belo texto do cassol com esse link.
laçskdsalçklsaçk
24. arbo | 14/10/2008 às 08:53
fui eu aí…
ah, essa coisa toda foi só pq o galvão bueno ficou impressionado e perguntou pro robinho um nome para o drible, depois do jogo, daí o guri falou qq coisa e eles tratarm de levar beeeemmm longe
25. Cassol | 14/10/2008 às 11:13
Estava esquecendo de agradecer os elogios. Valeu aí. Mas eu mesmo achei o texto muito filosofia de livro de auto-ajuda.
Vô José, grande figura. Filhos, netos, quem aparecer na sua frente, ele pergunta: “mas quem é este cidadão?”
26. gilson | 14/10/2008 às 11:25
Puta queo pariu, por isso que não passo um dia sem ler essa joça.
27. douglasceconello | 14/10/2008 às 11:26
Pára de te fresquear. O texto está espetacular.
Agora é tua obrigação passar a assinar Daniel “Dylan Thomas” Cassol.
28. Xavante | 14/10/2008 às 12:02
Ainda em Buenos Aires. Nao vi mais que tres camisas do Boca e uma duas do River. Em Porto Alegre eu caminho 1 quadra e vojo 18 de cada.
Buenos Aires e um local civilizado ainda.
No mais estamos piscando para a serie B. Se Deus quiser, quarta-feira vamos convida-la para dancar e domingo ja vamos estar passando a mao na sua bunda.
29. Prestes | 14/10/2008 às 12:15
“Se Deus quiser, quarta-feira vamos convida-la para dancar e domingo ja vamos estar passando a mao na sua bunda.”
suhsaduhsaduhsadhusuhsda sensacional
O mais irado é que pra alguns a série B é uma desdentada, pra outros é a Juliana Paes, sadasdsadasdsadsad
Falando sério, bacana essa diferença de visões.
Pro Grêmio é tipo uma baranga com quem ele teve uma trepada sensacional uma vez, lkjchssaasjksdshdsjakdhasjdhsa
30. Rudi | 14/10/2008 às 12:27
e uma trepada sofrível antes disso…
31. JG | 14/10/2008 às 13:36
http://ecpelotas.com.br/centenario/?p=18
Para quem conhece e para quem não conhece!
32. arbo | 14/10/2008 às 15:16
muito afudê, JG. não sabia dessa História toda.
33. Cassol | 14/10/2008 às 15:19
JG e Arbo, queimem no inferno. Linkamos este post do Flávio Minuano ali no Carimbo e vocês NEM AS HORAS.
34. guihoch | 14/10/2008 às 15:23
só pude ler hoje, muito legal, mesmo!
guihoch
35. arbo | 14/10/2008 às 17:05
huhauhauhauha
cassol, te liga. um golpe está, silenciosamente, sendo orquestrado (contradição? trabalhamos – imitando a lila) nos comentários. é bom q mantenham o nível dos posts. este aqui é um bom exemplo. E não te faz (“Mas eu mesmo achei o texto muito filosofia de livro de auto-ajuda.”) que eu não sou guriazinha de sãosepé.
36. Felipe catarina | 14/10/2008 às 17:43
esse Jefferson Schmidt é ruim demais e ainda tinha gente que dizia que ele era “uma das revelações da arbitragem catarinense”. Aliás, Flávio, Itamar Schulle, Moscatelli… baixou SC aí no Brasil, hein?
continuamos na torcida para que o Brasil encontre o Figayrense em 2009. uhauahhaha.
37. Ivan | 15/10/2008 às 21:19
Bah! Memorável. Vou guardar este texto. É bem isto. Ódio e paixão são sentimentos próximos. De igual intensidade. Por inúmeras vezes presenciei ferrenhos corneteiros desde os primeiros instantes de um jogo quase enfartarem de alegria quando o GEB marcava o seu gol. Vá entender? Mas tudo isto é ser Xavante. E não é para qualquer um! Rubro-negro vem aí! Rumo à Série B!
38. Júlio Brauner | 15/10/2008 às 22:15
E corneta nunca falta e o homem por acaso, conhecestes?
39. Júlio Brauner | 15/10/2008 às 22:16
O homem do texto é o da geladeira, certo?
40. Samantha | 16/10/2008 às 15:53
Se vocês querem ver festa, espetaculo… eh soh na Baixada!!
morram de inveja seus secadores de uma figa…
Brasil sempre!!
41. Dilson Ruas | 16/10/2008 às 16:01
Parabens por mais um belo texto .
“tem que olha p/aprender está Torcida e de f… .
XAVANTE RUMO A SERIE B
42. Milton Telesca Barbosa | 17/10/2008 às 18:49
Prezado Daniel
Gostei bastante do teu texto. Julgo muito importante não perder referencia de nosso passado agro-pastoril, simbolizado pelo Castelo de Pedras Altas, eo grande choque que tiveram com a filosofia Positivista cuja memória histórica , em forma de fotos e livros se encontram na Capela Positivista da Av. João Pessoa.
Um grande abraço
do teu tio Milton
43. Filipe | 18/10/2008 às 11:19
A corneta sempre vai existir, afinal… até Felipão foi corneteado até que levantasse uma taça mundial.
MUITO MAIS QUE UM VICIO
MUITO MAIS QUE AMOR
É MEU XAVANTE QUERIDO
A RAÇA DO INTERIOR!!!
44. Adalberto | 18/10/2008 às 13:40
Parabéns!
Entendí que o escritor também carrega de forte sentimento os seus escritos.
Abraços
Adalberto.